Crítica | Os Mercenários 3
Simbolicamente – e claro, a exemplo dos dois episódios anteriores – Os Mercenários 3 já começa em meio a ação, mostrando Barney Ross (Sylvester Stallone) e seu grupo de dispensáveis brucutus invadindo um trem em movimento, no intuito de resgatar o preso e antigo amigo do membro do grupo Surgeon, que é vivido por Wesley Snipes, que apesar de ser resgatado, permanece arredio. A quantidade de referências à vida pessoal do intérprete (este ficou um tempo longe dos holofotes por estar encarcerado) só não é maior que o paralelo feito com o retorno aos sucessos que cada um dos antigos heróis de ação teve após o primeiro filme de Sly e companhia.
No entanto, uma mudança é notada logo de início. Apesar do conteúdo da fita permanecer agressivo, a faixa etária da classificação indicativa diminuiu drasticamente, o que impede a câmera do novato Patrick Hughes de exibir a quantidade colossal de sangue e dilacerações que permeavam os filmes anteriores. O retorno de Surgeon, além de causar uma marola na relação dos Mercenários (com uma referência, claro, a este como alcunha do clube) por este, como Christmas (Jason Statham) ser especialista em facas, reabre algumas feridas, como com as mostras das tags dos antigos companheiros mortos e claro, com a descoberta da sobrevivência de Conrad Stonebanks, encarnado por um bombadíssimo Mel Gibson.
Além de guardar o ódio de seus antigos colegas, Stonebanks alveja Caesar (Terry Crews), e o põe em um perigo de vida imenso, o que faz Barney pensar mais seriamente em uma aposentadoria, não por si, mas por seus companheiros. A caçada do herói passa a ser solo, resgatando mais algumas figuras de seu passado, cortando a estrada em busca do que deu errado, e do porquê de Conrad ainda estar vivo. Nesse ínterim, ele é apresentado a uma nova gama de personagens, entre eles o novo encarregado da CIA vivido por Harrison Ford, Drummer – que consegue ser um trocadilho até pior que Church – o selecionador de novos talentos Bonaparte (Kelsey Grammer) e o acrobata cinquentenário Galgo (Antonio Banderas) e alguns outros meninos novos, com disposição e com todos os dentes na boca, que deveriam substituir os trabalhos de seus antigos colegas.
Refugados por seu antigo líder, Lee e os outros veem a força tarefa da nova geração embarcar junto a Barney e Trench (Arnold Schwarzenegger), repleta de rostos bonitos, sorrisos encantadores, remetendo visualmente às séries consumidas pelos adolescentes atuais, em mais uma artimanha de Stallone em alcançar o público juvenil. A dura realidade de estar novamente relegado a um papel secundário, em um campo onde antes reinavam, acomete Lee, Gunnar (Dolph Lundgren), Toll Road (Randy Couture) e Surgeon, e até o que poderia ser um defeito do guião acaba sendo uma boa anedota, a banalização da figura do brucutu serve como uma excelente motivação dentro da proposta.
O legado que Ross tenta deixar é o de proteger os que lhe são caros, mesmo que isso signifique tirar da ação aqueles que sempre foram fiéis, o que faz o embate com seu antigo parceiro ser ainda mais aviltante, uma vez que Conrad considera que ambos são iguais. O antagonista não vê diferença nas posturas tomadas pelos sexagenários mercenários, e em meio a uma troca de papéis nos arquétipos de gato e rato, Stonebanks rapta a nova equipe de Barney, o que faz com que o dream team retorne das cinzas, em mais uma manobra redentora típica dos filmes que Sly dirigia nos anos 80.
O modo como Hughes conduz a câmera é competente em sua proposta, uma vez que, ao contrário dos outros filmes onde se fazia um pastiche dos filmes de ação oitentistas, esse serve para mergulhar na mente e na operação de seus protagonistas. A fita é repleta de humor, especialmente nas figuras de Galgo, mas o viés de reflexão é mais sobre a obsolescência do que qualquer outra coisa, não que haja alguma inteligência maior do que nos outros momentos da franquia, mas a emoção é muito mais elevada, a busca é em comover a audiência através do drama de seus heróis.
Nas cenas finais, é a velha guarda que toma as rédeas da situação, protagonizando as partes mais interessantes do embate, que infelizmente usa e abusa dos efeitos em CGI. Um dos diferenciais da franquia até então eram os combates filmados in loco, com técnicas que podem ser vistas como rudimentares pelo expectador novato, mas que garantiam às fitas mais veracidade e textura.
No entanto, os erros de concepção ficam ainda mais evidentes. O vilão poderia ter sido melhor construído, ele não é nem tão digno de ódio quanto Villain era em Os Mercenários 2. Falta sentir apuro pelos personagens principais, a todo momento parece que os velhacos se safarão sem arranhões, são raros os embates físicos, que até são precedidos por frases feitas de cunho excelente, mas pouco mostram, ainda que a breve luta de Stonebanks e Ross seja interessante. O grave problema deste Os Mercenários 3 é ser bem menos divertido do que as fases pretéritas, deixando espaço para enxergar seus defeitos.
A mensagem deixada em seu final vai de encontro a tudo o que foi mostrado na carreira de Stallone e também nesta franquia. O modo como Barney olha para aqueles que seriam os seus alunos, trinta anos mais jovens fazendo tudo o que ele cansou de fazer em tela dá a tônica de como funciona atualmente a mente e a intimidade do ator, diretor e cineasta, talvez até antevendo uma possível aposentadoria, se não da carreira de cineasta, ao menos do filão de filmes de ação. Esse subtexto acaba sendo mais rico que toda a arquitetura, pirotecnia e atitude bad ass que sempre preconizaram as ações de Barney e seus asseclas.