Crítica | A Infância de Um Líder
Em 2015 foi lançado nos cinemas um filme de temática bem curiosa. O desenrolar da historia começa com cenas de arquivo, do cinema mudo, onde as pessoas estão alegremente se despedindo de alguém, com uma trilha sonora frenética, cuja música incidental causa uma certa angústia. O ponto de partida de A Infância de Um Líder é a viagem de uma família dos Estados Unidos que vai até a Europa, na França, para assinar o Tratado de Versalhes, mas eles, em especial o menino Prescott –aliás, o único membro da família que possui um nome – interpretado por Tom Sweet, acabam presenciando uma estranha gênese de ideologia.
O modo como a história se desenrola é a principio bem inocente, com a ambientação da família a esse novo lar. Logo, uma conversa séria sobre intolerância é travada entre Charles (Robert Pattinson) e o Pai (Liam Cunningham), em que um deles defende até segregação racial e isso ocorre quando eles simplesmente jogam sinuca e bebem na casa de um deles. Ali já se estabelece que uma atmosfera estranha ronda o menino que protagoniza o drama, pois as conversas dos adultos apresentam argumentos que a priori não deveriam estar entre os diplomatas que assinarão um tratado tão importante para humanidade, principalmente por conta do ponto de vista civilizatório.
O histórico de Brady Corbet é de ator. Já havia trabalhado com Olivier Assayas (Acima das Nuvens) com Lars Von Trier (Melancolia) entre outros diretores. Sua experiência com grandes cineastas claramente o auxilia na construção da tensão assim como na condução dos atores, que conseguem embalar o espectador dentro dessa aura de estranhamento e desconforto que é presente no roteiro de Corbet e Mona Fastvold. Nenhuma pessoa que fica na frente da câmera parece estar plena de suas faculdades mentais e sentimentos, é como se uma maldição pairasse sobre aquela casa.
Prescott é um menino peculiar. Ao mesmo tempo que tem uma aparência angelical e quase feminina, ele é incapaz de proferir qualquer palavra. A maior parte dos momentos o garoto se comunica por gestos ou por olhares, alguns deles bem lascivos, bem pequeno ele já olha para sua cuidadora (chamada de The Teachar) interpretada por Stacy Martin como se fosse um mero objeto, devorando-a com os olhos, imaginando como ela ficaria por baixo das comportadas vestes que usa. Ele a vê com ciúmes quando a funcionária conversa com seu pai e essa é somente uma das demonstrações de como seu comportamento é diferente de uma criança comum.
Corbet não se preocupa em falar do ponto de vista histórico, seu mergulho é psicológico, é na construção mental do passado de um sujeito que fez parte evidentemente de uma parcela significativa da historia do homem sobre a Terra mostrando que já no início da vida havia algo ali, uma insensibilidade digna dos personagens de filmes de terror. Há um texto bem legal sobre o filme, de uma entrevista/analise presente no site Pontos de Vistas, e a comparação que o autor faz de Prescott com Mike Myers do clássico Halloween de John Carpenter é acertada, embora também se notem semelhanças com o personagem do anti cristo Damian, de A Profecia. Paralelos de líderes fascistas com o Anti-Cristo são comuns e não é à toa.
Há um plano sequencia, onde a criança tenta se aproximar de uma conversa que seu pai tem como notáveis, em sua casa, a respeito evidentemente do tratado a ser assinado que evidencia algo um pouco perturbador. Seu progenitor pede que Prescott saia dali, pois era uma reunião formal ali, e não poderia ser interrompida por uma criança. A negação de um desejo foi acompanhada da câmera, que o leva até seu quarto, mas esse ato de rebeldia teria uma segunda parte, com o menino andando nu, vestido apenas de um casaco que não esconde suas partes intimas pelos corredores da casa, fato que faz o chefe da família se irar, com a atitude rebelde do menino. A atitude dele pode até ter sido inconsciente, mas claramente não é em vão, e mira um protesto informal a um movimento político que mira a igualdade entre povos, um marco para a época.
Os momentos finais do filme mostram o menino agindo como um ser incapaz de ouvir os outros e de viver em sociedade minimamente. Nesse caso a autoridade dos pais é desafiada, mais poderia facilmente ser qualquer outro espectro da inteiração social comum ao homem. Ele se torna indócil, irascível, esperneia e não adere a qualquer normal comum a todos, e sua resposta a esse tipo de questionamento é a violência contra quem lhe é querido, cometendo inclusive um atentado contra a personagem de Berenice Bejo, que faz sua mãe. O numero mimado que o garoto faz ganha tons dramáticos e uma música forte, em clima de ópera, que vai crescendo até o final apoteótico, com direito até a um epílogo, que mostra o líder já adulto, sendo saudado pelas forças militares e pelo povo, que abraçava o autoritarismo, de maneira cega e sem maiores julgamentos, tal qual os empregados que tratavam o menino sem impor limites, rédeas ou ordens. Segundo A Infância de Um Líder, a historia é cíclica, tende a se repetir, e o desfecho deste é bem semelhante ao seu início.