O recap do sétimo episódio de The Mandalorian – batizado com The Reckoning – é um bocado longo, resgatando momentos de personagens que pouco apareceram, e não só dos personagens de Carl Weaters ou Werner Herzog, como em um acerto de contas com os outsiders que ajudaram o caçador de recompensas que dá nome a série a compor toda a trama pensada pelo criador Jon Favreau. Esse talvez seja o mais sentimental entre os sete capítulos já apresentados até aqui.
A historia não tem rodeios, se mostra Greef Carga (Weaters) apresentando uma proposta de união, que talvez pusesse o Mando de Pedro Pascal em uma situação conveniente e sem conseqüências graves para si e para quem lhe é querido. É engraçado como essa situação proposta iguala o sujeito a condição de Han Solo em Império Contra-Ataca, incluindo aí até as altas chances dele rescindir os erros no futuro, independente até do que ocorrerá no Season Finale, exatamente como ocorreu com o coreliano em O Despertar de Força.
A partir daqui se falará mais diretamente da trama, se ao leitor incomodar ter contato com spoilers, é melhor parar de ler.
O retorno de personagens como a Cara Dune de Gina Carano já era esperado, até pelo recapitular ter um caráter meio de prólogo. A forma como cada um dos personagens é mostrado dá um bocado de ideia de como funciona a personalidade dos mesmos, ainda que não haja tanto temo para cada um deles mostrar o seu cotidiano, e um pouco de quem cada um é. Mandalorian tem muita sorte em apresentar pessoas carismáticas e fáceis de gerar empatia mesmo com pouco tempo para desenrolar sua historia e para desenrolar a vida desses mesmos personagens.
Nick Nolte e Taika Waititi também retornam, com seus Kuiill e IG-11 e a participação de ambos é carregada de sentimentalismo, mas nada que faça soar piegas. A valorização de um e a ressignificação do outro reforça a ideia de outsider que o seriado sempre carregou. Dirigido por Deborah Chow, esse é o capítulo mais frenético, pois as tentativas de negociação entre cliente, contratante e contratado são violentas, acompanhadas de tiroteios e cercos absurdos, evocando até o que sobrou do Império Galáctico, mas ainda sem grandes respostas para a trama. Impressiona como Favreau prende a atenção do espectador e do fã, sendo bem pouco ou nada explicito dentro dos trinta minutos de capítulo e dos créditos “pintados”, que relembram e avançam a historia.
Giancarlo Esposito faz um homem que parece imponente e uma autoridade seja lá do que for, mas há em sua persona um cuidado para manter ainda a aura de mistério, emulando poeticamente e também na trama toda suspeição de Mando, que não confia em ninguém e que vê seu fracasso possivelmente chegar exatamente quando pensa em agir como equipe. Há um misto de sensações ao perceber que falta apenas um capítulo para acabar The Mandalorian, pois além de desenrolar muitos mistérios, também há a sensação de que são poucos os momentos nessa jornada de oito capítulos, mas também há alívio, pois tal qual ocorreu recentemente com Watchmen, que também só deverá ter uma temporada (tomara), o fato de não haver uma grande extensão de historia a torna ainda mais única e especial, que tem suas qualidades positivas agravadas pelo largo uso de efeitos práticos ao invés do comum e exagerado uso de CGI.
Os mais de trinta minutos de episódio tem sido pouco para explorar a pecha de emulação de produto western que Jon Favreau propõe em seu The Mandalorian de Deborah Chow já começa no espaço, a borda da nave de Mando, com o mesmo recebendo mais ordens de Greef Carga (Carl Weathers), para se dirigir até o cliente e finalmente entregar sua encomenda. No caminho, se percebe o risco e vasto cenário suburbano de Star Wars pós queda do Império de Palpatine, em uma observação contemplativa digna de Star Trek, que aliás, também tinha uma ideia de exploração de faroeste espacial tal qual a saga de George Lucas.
Antes de pousar o personagem de Pedro Pascal fala ao seu tripulante, o filhote verde cinquentenário que não mexa com os produtos da nave, afinal aquilo não é um brinquedo, possivelmente um paralelo do roteiro que iguala o alvo citado a pecha de action figure ou as pelúcias que certamente as empresas da Disney venderão baseadas nesse derivado da franquia, mas também é um lembrete de que essa é uma historia seria, sobre pessoas e eventos marginais.
Werner Herzog é imponente ate sem silêncio, seu personagem, sem nome parece um sujeito perigoso e autoritário mesmo com as breve aparições. Sua postura, apesar de não revelar muito de suas intenções, passado e ligações, faz o espectador pensar que ele ou tem ligação ou teve no passado com os imperiais, já que seus capangas usam uniformes de stormtroopers, e já que ele faz experiências com criaturas. O The Sin do subtítulo talvez converse com a questão que emula o Gabinete do Dr Caligari durante o capítulo, mas provavelmente essa pecha esconde outras intenções do personagem vilanesco.
Há mais cenas com a figura misteriosa (e mascarada) que dá ordens e ajuda o mandaloriano de Pascal, e nesse ponto se abre um bocado a questão mitológica do seriado, mostrando que o secretismo dos que restaram da Mandalorian é uma estratégia de força, poder e principalmente sobrevivência. É curioso, porque mesmo amarrando pontas soltas, como a perseguição ao seu passado, não é exatamente didática ou explicita, e a forma gradativa como os segredos se revelam favorecem o lado emocional da trama, que aliás, é muito mais explorada.
A busca por novos trabalhos busca preencher seu vazio, por não ter certezas sobre seu passado, uma versão pretérita de si onde era presa e não predador. Mesmo ao tentar fugir desta situação ele se vê refletindo, sobre quem era, sobre como foi e sobre a entrega que fez, enxergando no alvo um semelhante ao seu eu do passado. Comprometer os outros não parece ser uma enorme preocupação para ele, ao menos não tão grande quanto a de reaver o que havia entregue.
A ação do episodio beira a perfeição, ele é violento, os ataques são secos, a troca de tiros em espaços pequenos faz lembrar demais os combates nos saloons dos clássicos de Sergio Leone e Sergio Corbucci, cuja tensão mora pela possibilidade da morte do “herói” e pela pouca mobilidade que o ambiente claustrofóbico lhe causa.
Chow mistura bem demais elementos de inspirações básicas de Lucas para a franquia, é quase poética a mistura entre Os Sete Samurais e Sete Homens e Um Destino que é empregada, onde a amalgama não é voltada para a trama que se repete em ambas versões, mas sim nos dois estilos diferentes de contar a mesma historia. Clone Wars era pródiga em mostrar ações de caçadores de recompensa, mas ver os mercenários se combatendo aqui é algo único, o sonho de qualquer garoto que assistiu Império Contra Ataca e queria saber mais de Dengar, Boba Fett, Bossk e IG-88, com direito a exploração visual de novas armas novas e visores que não eram explorados quase desde Uma Nova Esperança.
O final do capítulo talvez seja o ponto mais baixo do episódio, apesar de não ser exatamente algo ruim, afinal, sobra tensão e momentos épicos. Até a apelação ao famigerado clichê de Deus Ex Machina, mas a ação mostrada é absurda, e mesmo que a ajuda que o herói recebe sendo de certa forma injustificada. Chow certamente conduz até aqui o melhor dos capítulos, não à toa, já que ela é bem acostumada ao formato de programas de televisão, equilibrando bem o revelar da mitologia, o espelho de expectativa de Mando com o bebê e claro o combate entre contrabandistas e caçadores de recompensa.
Havia muita expectativa em relação a série que Jon Favreau organizava no universo Star Wars, e já no piloto da primeira série live action derivada Guerra nas Estrelas, The Mandalorian não demora a mostrar ação, mirando as ações do personagem-titulo – interpretado por Pedro Pascal mas que não tem sua identidade e origem desenhadas em um planeta de neve, com ele entrando em uma cantina que faz lembrar demais a Mos Eisley de Tatooine, em uma dosagem bem interessante de referencias e fan service.
O piloto, chamado Chapter One é dirigido por Dave Filoni, o cowboy, produtor e showrunner de outros derivados da saga de George Lucas, em um sucesso indiscutível em Clone Wars, Rebels, um início promissor com Resistance e um enorme conhecimento sobre o antigo universo expandido (chamado de Legends) e o novo canônico. De destaque positivo e fora trama, há uma vinheta bem legal, que faz a luz passar por capacetes ou carapaças de personagens clássicos, um agrado aos fãs que não soa ofensivo para quem não é exatamente aficionado pela franquia.
Os mandalorianos tem detalhes de seus posicionamentos nas mesmas animações que Filoni conduziu, e em alguns livros e historias em quadrinhos antigas. Os personagens mais conhecidos entre eles curiosamente são dois não membros da “raça” os caçadores de recompensa Jango e Boba Fett. Os métodos do mandaloriano misterioso não são tão diferentes dos dois personagens citados, com a diferença de que ele realmente tem presença e é certeiro demais, ao contrário do jeito atabalhoado que ambos pereceram, em Ataque dos Clones e O Retorno de Jedi respectivamente. O povo de Mandalore é conhecido por ser pacifico, exceto alguns membros da elite, entre eles os que usam as tais armaduras cromadas, e os tempos pós queda imperial talvez expliquem o modo de agir do personagem de Pascal.
A ação do episódio é curiosa, pois é violenta, como se espera de um caçador de recompensas que vai atrás de seu alvo, e as brigas são francas, secas e se valem de uma anti artificialidade atroz. A mistura de figuras digitais e reais é bem encaixada, assim como o uso de efeitos digitais e práticos. A textura dos personagens é muito real, fato que facilita que os combates pareçam realistas.
Não há um grande desenrolar do panorama político da galáxia pós queda do Império, que é onde o seriado se coloca cronologicamente, mas observando bem se percebe que boa parte dos métodos mudaram. O mandaloriano ao capturar seus alvos, os congela em carbonita, e há de se lembrar que quando Han Solo é preso em O Império Contra Ataca, o foi para que testassem antes de prender ali Luke Skywalker, ou seja, das duas uma, ou ele assume riscos de maneira até um pouco irresponsável, ou essa prática se popularizou na galáxia muito distante.
Também se nota que há resquícios de mandatários imperiais, que envolvem pessoas do elenco bem famosas, como Werner Herzog, que faz o Cliente (ele é chamado somente dessa forma). Sua participação ainda é pequena, mas ele parece ser um sujeito imponente, poderoso e cruel, um vilão clássico mas que dá margem para mais nuances.
As outras participações, de Greef Carga (Carl Weathers) e IG-11 (Taika Waititi) são mais extensas dão mais margens para ou teorizar ou para protagonizar mais ação (caso do segundo, que aliás, impressiona no modo de mostrar a movimentação de um droide de ataque IG, que antes, só andava nos filmes, e só foi mostrado de fato atirando nas animações. Uma pena que boa parte desses momentos cruciais tenha sido mostrado nos materiais de divulgação. Já Carga não tem todo seus segredos revelados, mas parece ser um sujeito de grande importância, possivelmente ligado a um dos lados antagônicos da antiga guerra entre rebeldes e imperiais, e não só um sujeito neutro como normalmente são os bounty hunters.
The Mandalorian – Chapter One é curto, tem 38 minutos e a exibição dos outros episódios serão feitos em momentos da semana bem diferentes. A abordagem dramática impressiona por ser direta, revelando muita coisa, mas deixando muitos mistérios para serem desenvolvidos e desenrolados em momentos a frente, inclusive com uma piscada para o público bem legal. Não há apelo para muitas obviedades, mesmo que ainda tenha alguns clichês empregados, e é visualmente deslumbrante em cenários e nas interações entre os bonecos digitais, os fantasiados e personagens meramente humanos.
Nos últimos anos, a produção de documentários sobre a 2ª Guerra Mundial mostrando os horrores do nazismo se multiplicaram na TV. Alguns tentando fazer uma análise séria sobre a psicologia do fascismo alemão, como Arquitetura da Destruição, até produções genéricas do History Channel que fazem análises sobre os tipos de metal usados na solda dos tanques de guerra.
No entanto, o que une todos esses documentários é a distância fria com que somos seguramente apresentados aos protagonistas de tamanho horror, o que de certa forma desumaniza todo o período, transformando-o em um ato de “loucos” que nada teriam a ver com a gente ou com a nossa organização social.
Nesse sentido, o maior mérito do documentário de Joshua Oppenheimer (com produção de Werner Herzog e Errol Morris) é justamente o de tirar essa distância entre os acontecimentos e o espectador, colocando-os em contato direto com alguns dos responsáveis pela sanguinária perseguição a acusados de “comunismo” no regime de Suharto na Indonésia da década de 1960 em plena Guerra Fria, e como o filme diz claramente, sob a velada aprovação do Ocidente. “Eu me senti como se estivesse na Alemanha 40 anos após o Holocausto e os nazistas ainda estivessem no poder”, afirmou o diretor em uma entrevista, o que resume bem o sentimento do filme.
Ao mesmo tempo em que entrevistava os autores de um genocídio, calculado entre 500 mil e 2 milhões de mortes, Oppenheimer mostrava uma reencenação dos métodos de assassinato daquela época sendo feitos como filmes pelos próprios autores de forma despreocupada com o conteúdo, tentando copiar o estilo dos filmes de ação americanos. E em momento algum mostra remorso ou mesmo vergonha pelos atos cometidos, agora detalhadamente narrados e filmados através de histórias tradicionais ou mesmo imitando estética de videoclipes musicais com cachoeiras ao fundo.
Contando até hoje com o apoio dos EUA, o governo indonésio não fez nenhum tipo de retratação, e as famílias das vítimas, além da população comum, ainda vivem sob temor de que aquela época volte. Tanto que é difícil para os personagens principais arrumarem atores para serem “extras” e atuarem como os tais “comunistas”, com medo de serem confundidos realmente com eles.
Todo o terror dos brutais métodos de execução são mostrados passo a passo em meio a piadas e risadas sobre a situação. Comentários anedóticos são misturados a um sentimento de orgulho por ter servido à pátria, e a doutrinação da juventude sob a mesma ideologia de combate a esse suposto inimigo externo se mantém viva como nunca. Todos, sem exceção, acreditam que salvaram o país.
No entanto, apesar de toda a brutalidade, um dos personagens do documentário, Anwar Congo, mostra que toda violência contra o outro é uma violência também contra si próprio, e essa conta um dia chega. Após ele fazer o papel de vítima em uma sequência de tortura ridiculamente encenada no estilo dos filmes de máfia dos anos 40, Congo desaba emocionalmente e não consegue mais se recompor, questionando se era daquele jeito que as vítimas se sentiam. Quando confrontado com a informação de que elas se sentiam pior porque sabiam que iriam morrer, ele ainda demora a processar toda essa variedade de sentimentos, e grande parte da culpa aflora, até mesmo fisicamente, em cenas angustiantes de se ver.
O Ato de Matar é brutal na medida certa ao mostrar que a humanidade está longe de atingir qualquer status de civilização, como o Ocidente propaga que atingiu. Na Indonésia do filme, ONU, Convenção de Genebra e o Tribunal de Haia são ridicularizados, como se não tivessem a menor importância, e toda a ideologia moderna dos direitos humanos ali naquele universo, simplesmente não existe. Não é ignorada ou descumprida, não existe a compreensão de que o outro ser humano possui o mesmo valor e direito de viver que o seu, independentemente das crenças que professa. Em uma sociedade em que até hoje os executores de tamanhos crimes contra a humanidade gozam de privilégios econômicos e sociais perante o caos de uma sociedade desajustada, que louva seu passado violento, o filme torna-se necessário para nos fazer refletir como o mundo é maior, e pior, do que pensamos ou gostaríamos de acreditar.