
Principal inspiração para a reunião de heróis da Marvel no cinema, tornado realidade em 2012 por Joss Whedon em seu Os Vingadores, Mark Millar resgata o clima anti-heroísta iniciado por Warren Ellis em Authority para formar sua versão do mito dos Heróis Mais Poderosos da Terra. Os Supremos tem início durante a maniqueísta Segunda Guerra Mundial, com um desenvolto papo entre soldados que esperam desembarcar em terras alemãs. Os extremos seriam temas recorrentes na revista de Millar, pontuada magistralmente pelo lápis anárquico de Bryan Hitch, parceiro antigo do autor europeu.
Curioso como a figura do Capitão América evoca a fantasia das cores que não combinam com a bandeira, contrastando completamente com o cinza da guerra, que só é cortada pelo vermelho do sangue. A era romântica de política e guerra se finda junto a “morte” do Capitão, elevando a história já para o novo milênio, quando Nick Fury encontra o resignado homem em recuperação Bruce Banner, que tentava convencê-lo de que o Hulk estava contido e praticamente extinto.
Como tudo no universo Ultimate, o mote de Os Supremos é quase todo relacionado à reconstrução do soro do Super Soldado, presente no DNA de Steve Rogers. A construção do Gigante Esmeralda, as experiências de Hank Pym e até o ideário do coronel caolho são intimamente ligados ao ethos do primeiro vingador. A “cena” em que ele desperta representa o renascer não só da física hibernação, mas também do resplandecer de um novo tempo, em que a adaptação seria o maior dos desafios. Apesar da pequena revolta, reprisada nos pós-créditos de Capitão América – O Primeiro Vingador, o bandeiroso interage jocosamente com George W. Bush, valorizando e dando destaque ao papel do militar em detrimento dos constantes fracassos dos cientistas, primeiro em Reed Richards (pré Supremos), no deprimido Banner e no inseguro e machista Pym.

O ataque que desencadeia o surto do Hulk demonstra que aquela era uma nova época, em que músculos seriam mais importantes do que ações cerebrais, relembrando os tempos de predomínio da estética noventista da Image Comics e trazendo à tona uma história que novamente supervalorizaria aspectos visuais em detrimento dos textuais.
Os números iniciais desse volume servem para, em cada edição, aprofundar os conceitos dos personagens. O começo da visão sobre Thor é misteriosa, quase superficial, o que garante a si uma dualidade quanto à questão de este ser ou não um ente divino. O que não possui ambiguidade, mas garante algumas camadas de complexidade, é a relação de amor e ódio entre o Homem-Formiga – agora Gigante – e a Vespa, que como casal, têm alguns entreveros, além de um montante de segredos escondidos. O aspecto mais aviltante da história varia entre o RP executado no caso para abafar o espancamento feminino, evitando por sua vez escândalos anti-marketing, em confronto com a reação da mulher, que defende seu agressor mesmo quando alguém lhe faz “justiça”.

A discussão que começa com os relatos de Betty Ross culmina na busca intensa por Henry e em uma bifurcação de frentes, protagonizada primeiramente pela Viúva Negra, Gavião Arqueiro e por outros dois vilões da Irmandade de Mutantes, Mercúrio e Feiticeira Escarlate, além, é claro, da tomada de iniciativa independente do alistado heroico que vai tirar satisfação com o homem que considera covarde. Os níveis de massa véio aumentam absurdamente, mas a bem orquestrada luta serve mais para desviar a atenção da causa Chitauri do que outro aspecto narrativo relevante. Chega a ser curiosa a associação desses aspectos ao romance de H.G. Wells, Guerra dos Mundos, uma forma jocosa de tratar da grave situação que se forma.
A transição entre os problemas internos do grupo, para a invasão Chitauri, é executada de modo rápido, sem muitos preâmbulos, de modo um pouco automático. Tal construção torna a trama principal um pouco desimportante, ao menos em relação aos aspectos mais sérios e menos ligados à violência gratuita ocorrida. De diferente, há a participação de Hulk, selvagem em essência, com frases jocosas que remetem a um humor primitivo, tão tosco que praticamente impossibilita o mau humor de quem consome a publicação.

A versão Millenium dos skrulls faz lembrar um pouco do clima paranoico visto no último número de Watchmen, além de assemelhar-se demais ao antagonismo dos marcianos brancos, presentes no arco Nova Ordem Mundial de Grant Morrison em Liga da Justiça, cujos inimigos também se faziam passar por humanos importantes na hierarquia governamental dos EUA.
Os pontos fortes da carreira de Millar são trazer histórias simples com alto teor de violência gráfica e repletas de frases de efeito típicas dos clássicos filmes de ação dos anos 1990, muito similares às películas de Michael Bay. Os Supremos se consolida como o ponto alto do universo Ultimate, ditando o tom sério que se iniciou nas revistas dos X-Men, que somente se solidificou após estas publicações. Além disso, a obra reprisa os bons momentos de Stormwatch e determina a métrica dos quadrinhos de super-heróis populares de 2002 em diante.
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