Resenha | Homem-Aranha: Com Grandes Poderes…
Parte da iniciativa da Casa das Ideias à procura de histórias mais adultas, o selo Marvel Knights trata dos heróis da editora de um modo mais visceral e maduro, como neste Homem-Aranha: Com Grandes Poderes…, que subverte o repetido (e às vezes cafona) lema do Cabeça-de-Teia de um modo mais enérgico e menos juvenil. A história de David Lapham – conhecido pelo título Balas Perdidas – mostra Peter Parker em uma situação curiosa, tendo acabado de receber as habilidades aracnídeas do animal radioativo, se valendo disso para ganhar alguns trocados como lutador de wrestler.
O traço de Tony Harris tem total influência das primeiras histórias do Amigão da Vizinhança, inclusive emulando as características do lápis de Steve Ditko. A rotina de Peter inclui a violência em forma de bullying que ele recebe de Flash Thompson, além da vida de pobretão que ele tinha, ambos aspectos que relembram a essência não aludida de o Espetacular Homem-Aranha de Marc Webb, não utilizando a saída fácil de transformar o estudante em um nerd descolado e atualizado com a moda e afins.
A trajetória agridoce segue até a picada da aranha radioativa, que muda o seu corpo mas não sua alma. Para Peter, o disfarce de nerd serve para diferenciá-lo de seu alterego, além do que o próprio percebe que revidar a violência emocional que sofre somente o igualaria ao bully, e ao ethos herdado de Tio Ben não permitiria isso. Ser um pária não era uma opção e sim a única alternativa para o estilo de vida que o abraçou; mesmo ao tentar ganhar dinheiro fácil, o fracasso segue a tônica no cotidiano do rapaz. A congruência do roteiro faz Peter ir experimentando versões de seu uniforme que evoluem e se atualizam com o tempo, não surgindo do acaso, como visto nas mais recentes versões da origem do personagem.
Aos poucos, o homem que ganhou super poderes tem de mudar de postura, discutindo o egoísmo que lhe ocorre, ao começar a só servir seus interesses em contraponto aos ataques que a cidade de Nova York sofre. Mesmo nessa realidade alternativa, em que o Aranha é um lutador famoso, ao analisar uma luta do Quarteto Fantástico contra uma ameaça dantesca, o sujeito começa a entender uma nova alternativa de vocação, uma possibilidade de saída menos egoísta para os dons que recebeu, que apesar de ser alinhada com a versão oficial do personagem, não se rende à pieguice da solução fácil.
A postura espiritual do Homem-Aranha ocorre apesar das pressões dos que o cercam, com todos os que dependem de si sofrendo por tabela graças às ações diretas do “herói”. A imaginação de Lapham propicia uma versão amadurecida do conto e drama de Parker, que curiosamente flerta com o trauma do Batman também, revelando que o vigilantismo era na verdade uma compensação pela morte de sua figura paterna, com a troca imediata de arquétipo, quando se apresenta a alternativa da troca. Apesar de não ser extraordinário, Com Grande Poderes… é uma história interessante em todas as suas propostas, especialmente em contar uma versão mais adulta da história pensada nos primórdios do Cabeça de Teia.