Crítica | Casablanca
Casablanca é uma obra do cinema clássico de Hollywood, sendo uma das obras mais lembradas no quesito romance. Dirigida por Michael Curtiz, a trama se passa no inicio da Segunda Guerra Mundial focada na historia de amor impossível entre Richard Blane e Ilsa Lund Laszlo.
Ao contrário do que boa parte do público pensa, essa foi uma produção barata, um autêntico filme B, gravada em uma época em que as grandes produções não estavam utilizando os grandes cenários, tendo esse sobrado para Curtiz produzir sua história, baseada na peça de Murray Burnett e Joan Alison.
Tudo foi organizado com as sobras de outras produções, e resultaram em um filme lucrativo financeiramente e bastante premiado, inclusive Oscar de melhor roteiro adaptado, texto esse assinado pelo trio Julius J. Epstein, Philip G. Epstein e Howard Koch.
Além é claro da ambientação, uma vez que o lugar na costa francesa do Marrocos era um porto para refugiados da Guerra e a interseção entre viagens, há aspectos técnicos que chamam bastante atenção. Entre elas, a musica de Max Steiner é um diferencial, com boas variações entre o Jazz que fazia sucesso na época, além dos temas românticos que embalariam o quase amor entre o protagonista e sua prometida proibida.
Em Casablanca, há uma casa noturna, O Café de Rick, administrado pelo personagem de Humphrey Bogart, Rick Blaine, um americano expatriado que prefere não se envolver com os detalhes da guerra e com suas tramas políticas.
Na introdução ainda, é mostrado ele lidando com todo tipo de gente, e conversando com Ugarte, personagem de Peter Lorre, que frequentemente participava de filmes no esforço anti-nazista. Ugarte era um pequeno criminoso que chega ao clube portando “cartas de trânsito” que conseguiu após matar dois mensageiros alemães. Essa é uma das quebras da neutralidade do sujeito, uma vez que ele parece saber que Ugarte é procurado pela justiça, mas faz vista grossa, como ocorre na maior parte do longa.
O roteiro não enrola, e não demora a se perceber que o clube fica em um lugar visado. Ofertas para venda do local sempre ocorrem, parte das pessoas que lá trabalham são excluídos, como o sujeito que toca piano Sam (Dooley Wilson), um homem negro que certamente seria perseguido na maior parte do continente europeu. É como se a casa noturna fosse um oásis em meio a um mundo louco, um espaço imune a politicagem extrema do Eixo e da resistência dos Aliados.
Ilsa pede a Sam para tocar As Time Goes By, canção composta pelo próprio Dooley Wilson, regravada a exaustão, até mesmo por Frank Sinatra.
A guerra afastou os dois personagens apaixonados. Rick teve que sair as pressas da França, graças ao fato de estar em uma lista negra dos nazistas. Por isso foi em fuga para Marrocos, junto a Sam seu fiel escudeiro. Os dois se colocaram em um exílio forçado, aceitando uma nova identidade. como pessoas irrelevantes, cidadãos invisíveis de um mundo em ebulição, tudo em nome da sobrevivência.
O filme é baseado em na peça Everybody Comes To Rick’s (que traduzido seria algo como todo mundo vem ao café de Rick) de Burnett e Alison como citado anteriormente. A tradução da peça no entanto tem sua liberdades, e uma personalidade própria, muito graças ao desempenho do Bogart, que é característico demais, ganhando do diretor carta branca para agir conforme fosse mais conveniente ao que entendesse sobre o papel. Isso garante a Rick uma verossimilhança, com reações e pequenas falas baseadas em improvisos que o tornam mais legítimo, verdadeiro e não mecânico.
Casablanca é conhecido principalmente por seu tom romântico, ao lembrar da relação que o protagonista de Bogart e a bela e angelical Ilsa (Ingrid Bergman) viveram em Paris.
As cenas dos dois, enamorados, em um passado distante da dicotomia da guerra parece ter ocorrido a eras. A atmosfera de como o amor é imersivo é bem flagrada, tanto que nesse trecho parece de fato que outro filme ocorre, resultando em outro oásis, distante da realidade não só da guerra, mas também do amor não correspondido.
Ilsa está no Ricks por um motivo: está em fuga, junto com seu par, procurado Victor Lazslo (Paul Henreid). Desse modo, os momentos mais sentimentais e singelos, os suspiros e apreciação de um cenário idealista e romântico é cortado, expurgado, graças as ações do III Reich e ao avanço fascista provindo de Stuttgart.
Mesmo que a intenção da peça/filme não seja a de causar tantas reflexões no espectador, afinal o filme busca entreter com um romance, há de perceber que a condição isenta da política é impossível de ser vivida, especialmente em tempos extremos como os mostrados nesse clássico.
O enlace sentimental é cortado pela truculência da Gestapo, do exercito nazista e do expansionismo de Adolf Hitler, e por mais que Rick tencione ficar em cima do muro, ele propriamente não o fica, só se isola de tudo para não ter lembranças de um tempo doce que se tornou amargo em suas memórias.
O beijo terno, compartilhado entre os dois como se fosse a última vez é uma das cenas mais bonitas do cinema, com os dois perdendo o foco diante da lente da câmera, com a taça de vinho caindo e ganhando nitidez, numa clara alusão a relações carnais. Esse era um fato bem incomum no cinema da década de quarenta, e a misancene é magistral ao colocar esse momento em contexto.
A despedida dos dois é desoladora, com o homem inconsolável, tentando segurar um mar de lágrimas e sentimentos, levado por seu amigo e companheiro até o trem quase a força, por não ter condições mentais de comandar seus próprios passos.
A chegada de Ilsa reaviva não só a paixão não resolvida, como também é um lembrete no exílio de que a guerra não é elegante ou cordial como querem fazer parecer os oficiais nazistas no Marrocos.
Mesmo que a preocupação da produção seja em construir o ideal para que o amor seja o norte do drama, o cenário, personagens e atmosferas não deixam esquecer que esse é um mundo de extremos. De um lado uma ideologia mesquinha, que desperta o pior nos seus adeptos e que provoca violência até nos que estão no lado oposto, e de outro, a tentativa de resistir a esses avanços autoritários, sem jamais cair na esparrela de tentar igualar os anti-fascistas com os nazistas de fato.
Por ser uma produção gravada no calor do momento, em meio ao conflito, não se cai na besteira revisionista de fingir que os antagonistas de Hitler eram iguais a ele.
A sequência final é tensa, e uma lição de abnegação por parte do personagem central, que vê sua amada se despedir, com o novo par dela, onde os heróis tem que finalmente assumir seus papeis como atores no cenário político.
Nesse ponto, não há mais espaço para a tal isenção que é pregada e proferida por Blane. As máscaras caem e a fuga dos “refugiados” finalmente ocorre, mas não sem apelar para a questão básica da ironia entre Richard e o homem da lei que lhe facilita a fuga e seu próprio exílio.
Casablanca poderia terminar melancólico, mas dada a malandragem de seus personagens é totalmente natural que não haja lamentos por parte dos homens que protagonizaram a historia, afinal, eles já sabem seus lugares no mundo e tem na resignação uma sensação bem comum e rotineira já.
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