Crítica | Boa Noite e Boa Sorte
Vamos lá: Em Embriaguez do Sucesso, soberba película de 1957, nós acompanhamos uma trama aparentemente simples: dois homens de negócios no coliseu da fama, um lutando para retornar ao topo dos tabloides, enquanto o outro ousa não cair no nível do primeiro; uma roleta-russa filmada com enorme precisão, com alguns dos mais retumbantes diálogos que um roteiro já expressou – fato. Não é à toa, e não só por isso, que a estrutura básica d’outro clássico mais recente, O Informante, com Al Pacino e Russel Crowe, remete a isso, sendo mais sólida que concreto no sol de quarenta graus.
Isso porque em 1999, o cineasta Michael Mann captou o cheiro fétido e o sabor azedo de uma história midiática através não só de imagens, mas da relação entre elas, como se nossos olhos degustassem e sentissem o poder que existe na transição entre películas. Em parte por conta da classe provada na condução do diretor, afinal a potência do conjunto redondo da obra é magistral. O Informante, tal qual Embriaguez do Sucesso, é uma aula fílmica moderna de peso e com pouca rivalidade dada a maestria na qual ambos se amparam. E agora, vamos ao real norte desta crítica, em questão.
Mas não se enganem: Boa Noite e Boa Sorte, de George Clooney, é um wanna be movie; filmes que querem ser o que as influências fazem-nos querer ser. Tal um homem de estatura média subindo na cabeça dos gigantes do passado, em busca da visão do Eldorado, Clooney se dá por satisfeito nessa empreitada vertical e assim realizou, em 2005, um thriller político todo sério, breve e nada memorável com uma história muito boa, sobre a moral do jornalismo posta à prova, e a pressão que os guardiões das notícias na televisão sofrem quando essa é eclipsada por interesses além da básica responsabilidade social que a profissão carrega, com orgulho.
Informação é poder, por todo o sempre, e esse bom roteiro original nos transmite esse imperialismo pela boca dos atores (esplêndidos, em cena, e esse parece o êxito verdadeiro de Clooney na direção: extrair ótimas atuações dos homens e mulheres que manipula na tela), deixando transparecer o jogo de prudência e a falta dela na conduta pela veracidade das notícias na rede CBS, em plenos anos cinquenta. O ator, sentado na cadeira de cineasta, quer tecer uma ode à influência da televisão na sociedade, mas não parece sentir direito para onde a história deve fluir pra alcançar isso, e de close em close, na mais absoluta confiança no seu elenco de peso, deixa o filme acontecer.
No contexto de 2018, pode-se perceber o quanto Boa Noite e Boa Sorte remete a esses idos brasileiros do “Vai pra Cuba”, antipetismo e paneladas da classe-média alta, já que, segundo a experiência do veterano repórter e âncora de telejornal Edward R. Murrow (David Strathaim), e a dos seus companheiros de luta, o público está sempre à mercê do incomensurável poder da mídia (mesmo na época de mídias digitais), e nem sempre deve ouvir só aquilo que deseja. Dessa forma, caso a época demande alguns debates históricos contra acusações infundadas de políticos intoxicando a opinião popular, é exatamente isso o que um jornalismo sério deve fazer: Investigar, discutir e elucidar os fatos. Custe o que custar.
Se de posse de uma premissa tão forte, acerca de um jornalismo que digladia contra verdades repletas de intolerância política, e com atores em ponto de bala encenando mil conflitos entre si, por que a sensação é de distanciamento e superficialidade? Nota-se, respondendo a isso, que Clooney é um estrategista contemporâneo do tipo Christopher Nolan, que não consegue pensar no filme todo, mas em artimanha atrás de artimanha até chegar ao fim. E mesmo sendo muito melhor com atores que Nolan, Clooney não extrai (ironicamente) veracidade de um universo que aqui chega as vias do perturbador e do sinistro, tamanha a dificuldade que pode surgir a um repórter que não concorda em veicular o veneno da injustiça.
Para o filme, o ator/diretor emprega todo o seu charme natural de galã para as cenas em geral, tornando sua alegoria do começo ao fim um verdadeiro desfile de elegância que nunca desce do salto, mesmo em sequências mais fortes – para isso, conta com uma câmera tremida bem incômoda. Já o roteiro, enquanto a benção que é, garante momentos que dificilmente poderiam ser estragados por um cineasta, como toda a vez que Strathaim, em atuação impressionante, discursa para a câmera, duro e moralmente inquebrável como um jornalista incorruptível no auge da profissão, delegando ao seu público o seu “boa noite”, mas antes a verdade e nada mais do que isso. Na memória, ficam sobretudo essas cenas, muito mais que a obra por inteiro.
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