Review | Dark
Dark foi uma série alemã com três temporadas que ganhou status de cult e ficou muito popular graças a divulgação feita pela Netflix. A trama é repleta de dramas familiares, brigas entre personagens de caráter dúbio, um tom bastante novelesco e provinciano, de um modo que a cidade onde se passa a trama, a fictícia Winden, é um personagem central. Os roteiros da serie de Baran bo Odar e Jantje Friese dão conta também de inúmeros elementos de ficção científica e de signos bíblicos e pós apocalípticos.
O começo da primeira temporada é arrastado, os primeiros seis episódios mostram a grande quantidade de personagens com núcleos familiares que se entrelaçam. Há na ideia original da série referencias a obra Twin Peaks de David Lynch e também alguns elementos semelhantes a obra literária A Tempestade do Século de Stephen King. Fora isso, há dentro dos paradoxos temporais elementos da literatura de H.G. Wells, sobretudo A Máquina do Tempo, além de leves semelhanças com o novo clássico Donnie Darko, em especial na abordagem sobre paradoxos temporais.
Embora ela seja bem diferente de seriados de ficção científica feito nos EUA ou Inglaterra, há um ritmo de exploração temática que causa curiosidade em como a vida dos personagens se desenrolará. Além de causar o óbvio interesse nos destinos que o drama folhetinesco apresenta, sobretudo entre as famílias e os segredos e tramoias de amor e traição.
Dark lida com temas pesados, desde desaparecimento de crianças até suicídios. Há também uma utilização de referências ao cristianismo, seja em nomes como Jonas e Noah (Noé), além de referências numerais, como a escolha de 33 anos para os saltos temporais que coincidem com a idade de Cristo ao morrer. Tais elementos incomodam um pouco, mas nada que torne a série desprazerosa.
Aos poucos, a trama pós apocalíptica vai se agravando, em especial no segundo ano, onde se desenvolve o arco do Sic Mundus, uuma organização que aparece misteriosa e que tem suas intenções desenvolvidas ao longo das duas primeiras temporadas, principalmente, associando a busca e obsessão com os experimentos de viagem temporal, com a explosão da usina nuclear em 2019, e com o futuro da humanidade, embora toda a trama de Dark seja muito contida em sua cidade.
A série tem elementos técnicos soberbos. A fotografia assinada por Nikolaus Summerer tem uma boa variação entre as cores. Quase todas em tonalidades átonas e o estado de espírito melancólico dos personagens dá maiores camadas de importância a série. A trilha sonora, repleta de cantos e sons guturais orquestrada por Ben Frost traduz uma aura pesada e de mistério. Esse caráter é favorecido também por conta de que o elenco principal não tem grandes famosos mundialmente, no máximo Oliver Masucci que faz Ulrich e estava em Ele Está de Volta, ou Antje Traue que faz Agnes e que esteve em O Homem de Aço. Os interpretes são ótimos, mas o fato de não terem uma fama mundial pregressa dá mais fidedignidade a história, o roteiro soa mais fluido e o publico fica mais crente nas bizarrices sugeridas.
A jornada de Jonas e Martha contém elementos que apelam para um caráter mais amoroso e otimista, reunindo tragédia, inevitabilidade do destino e a ligação deles com o tão temido fim do mundo. Os dois, sobretudo em sua fase mais jovem quando são vividos por Louis Hofmann e Lisa Vicari, dão conta de um amor proibido em que ambos são tolos demais para perceber o óbvio. Na terceira temporada, quando são abordados outros cenários – em que cores e elementos são espertamente invertidos para mostrar uma outra dimensão – se mantém a ideia do quão perigosa é a união dos dois personagens. A nova versão do fim e a inserção de outra realidade garante ao desfecho da trama um caráter mais lisérgico, gerando um número grande de explicações e didatismo. Dark termina mostrando a inexorabilidade do destino e também as falhas que a viagem no tempo pode produzir, inclusive com uma cena pós crédito bem dúbia, reforçando a ideia de que caso o encontro entre os dois “protagonistas” ocorresse, o mundo pagaria por essa escolha com um salário de morte, novamente reforçando a ideia de redesenhar historias clássicas da Bíblia.