Review | Dom – 1ª Temporada
A primeira temporada da série ficcional da Prime Video, Dom, surfa em ondas bem distintas: na popularização de seriados true crime e com o formato popular conhecido como favela movie, explorando uma história dramática como chamariz do público.
A série é idealizada por Breno Silveira, diretor de sucessos de bilheteria como Dois Filhos de Francisco e, ao contrário do que se pensava, narra não somente a história de Pedro Machado Lomba Neto, rapaz de classe média carioca que ganhou os noticiários por se valer de sua aparência de bom moço e playboy para assaltar casas de luxo do Rio de Janeiro com uma gangue, mas também narra a história de seu pai, Victor Dantas.
Antes de chegar ao streaming o seriado ganhou algumas discussões bem polêmicas. O roteiro se baseia em dois livros, Dom de Tony Belloto e O Beijo da Bruxa de Luiz Victor Lomba, pai do personagem central, e detentor dos direitos da história vendida para o Prime Video (o que por si só é contraditório, visto que é uma história de saber público, o que não deveria ter de compor direitos autorais, em especial no que tange os crimes). Antes mesmo do lançamento, a família de Pedro, em especial sua mãe e irmã, reclamaram que a história era bastante diferente do retratado em texto e tela, não só por conta de liberdades criativas, mas também pela participação direta do pai do rapaz. Segundo a mãe, Nídia Almeida, o homem era um sujeito abusivo, distante demais do herói que Flávio Tolezani e Filipe Bragança vivem.
Polêmicas a parte, o seriado reúne boa parte dos elementos que fizeram sucesso no cinema e no audiovisual brasileiro recente. Escancara a violência, a futilidade e inutilidade da guerra as drogas que impera no Rio de Janeiro e, consequentemente, no Brasil. A temporada mostra uma metrópole violenta, com a urbanização do país sendo marcada pelo sangue, pelos vícios em entorpecentes e pela batalha encarniçada entre policiais e bandidos. Esse cenário só consegue soar interessante graças a entrega do elenco, afiado. Para além dos já citados, merece destaque Gabriel Leone (que faz Pedro) e os que formam o bando do anti-herói. A história possui duas linhas do tempo distintas e outras variações de uma delas.
A mais antiga mostra Bragança como o jovem Luiz, adentrando a academia da polícia, tentando viver seus sonhos, em meio a uma época de repressão da ditadura militar. Nessa fase, se percebe que pai e filho não são tão diferentes, inclusive em questões polêmicas como o uso de drogas e outros vícios ligados a adrenalina e ao desafio do que é a vida.
Por mais que as polêmicas digam o contrário, os roteiros são bem preocupados em humanizar seus personagens. O “Dom” é um garoto confuso, nervoso, desesperado por atenção. O que se lê sobre seu modo de operar — em especial as questões criminosas — é que era quase um psicopata. É nessa questão que Silveira difere seu produto final dos true crime tradicionais, não só pelo fato dramatúrgico (afinal, o gênero se dá normalmente por documentários, como O Caso Evandro ou Elize Matsunaga: Era Uma Vez um Crime), mas também por dar voz e dimensão a um sujeito encarado pela mídia da época apenas como um bárbaro. Seus círculos de amizade ou familiares são realistas, claro, tomando como base a cultura popular brasileira e seu modo de mostrar a vida dos homens comuns. É fácil se envolver com as questões dramáticas.
Personagens como a Jasmin (Raquel Villar) e Viviane (Isabela Santoni) são sedutores para muito além do fato de serem bonitas, carismáticas e talentosas. Elas servem de peças de um xadrez bem calculado pelo texto e direção, adequando-se bem ao propósito de mostrar as alternativas de vidas possíveis de Pedro. São avatares de desejos reprimidos do personagem-título, mas servem também aos desejos comuns a qualquer ser humano adulto, envolvendo fama, dinheiro, luxúria e outras dezenas de pecados sedutores possíveis.
O seriado é bem produzido. Elementos como fotografia e reconstituição de época são bem pensados. A trilha sonora remete aos sucessos dos anos noventa de pop, rock e funk e dá uma boa dimensão do que era a identidade do jovem carioca desta época: uma mistura de estilos como pagode e sons mais pesados que conviviam bem apesar do preconceito musical comum em outros lugares que não o Rio.
A narrativa se desenvolve de maneira gradual, sem as barrigas típicas das séries da Netflix, claro, remetendo a sucessos cinematográficos como Tropa de Elite e Cidade de Deus. Tudo é milimetricamente pensado. A escalada de frustrações de valores familiares e as rivalidades entre às duas gerações mostram dois protagonistas que se julgam diferentes um do outro, mas que não são, ambos flertam com o desejo de não existir, em atenção ao conceito psicanalítico que determina a sedução de solução de qualquer problema apenas com uma morte súbita, pois sem vida, sem problemas. Dom acerta demais ao abordar essas sensações, e ainda abre possibilidade para um segundo ano que fecharia o arco trágico do personagem.