Crítica | Meia Hora e as Manchetes que Viram Manchete
Fazendo da piada a sua maior pauta, tentando alcançar o público popular: este é o resumo da linha editorial do jornal Meia Hora, o tabloide do grupo comunicacional O Dia. Encabeçado por Angelo Defanti, o documentário resgata as origens da publicação desde a proposta de resgatar o cunho de populacho que a antiga publicação tinha.
Por vezes, a editora do Meia Hora foi acusada de não ter sensibilidade. O caso da briga de Dado Dolabella e Luana Piovanni foi por este viés, com uma brincadeira de trocadilho típica do jornal. Segundo Humberto Tziolas – atual editor-chefe – e Henrique Freitas, antigo editor da publicação, são “ossos do ofício, uma vez que o chamariz era valioso. O diferencial que capturava a atenção do leitor logo de cara teria de ser inédito, e não meia-boca.
Para o teórico Muniz Sodre, o jornal popular pode fazer troça com a notícia, pois usar uma parte engraçada para evidenciar a verdade faz parte do comunicar, ainda que isso fuja um bocado do ideal, como é o caso dos noticiários populares.
O folhetim ficou famoso por suas notórias homenagens póstumas e obituários. O gosto, ou desgosto, pelo artifício diverge de pessoa a pessoa, e o fato disto ser polêmico faz parte do modus operandi do Meia Hora. A trajetória do O Dia variou muito: de jornal conhecido pela máxima “se espremer, sai sangue” à rival do O Globo, a gazeta praticamente se tornou o único jornalzão após a queda do Jornal do Brasil. Com a adição de O Extra, que desbancou grande parte dos órfãos leitores do O Dia, o grupo encabeçado por Gigi Carvalho resolve recontratar Eucimar de Oliveira, antigo editor-chefe do jornal e criador dos formatos de O Extra.
Pensando em algo de baixíssimo preço e voltado para o boy, para o cozinheiro, para o garçom e para toda a classe C, nascia o Meia Hora. Apesar da máxima parecer preconceituosa, o público abraçou a publicação, com as vendas caracterizando o maior diferencial para desbancar o argumento de que o leitor é subestimado.
A base da discussão para as capas prima por fofoca, ação policial, os quatro times grandes do Rio, prestação de serviços, como anúncios de oportunidades de emprego e, claro, fofocas de famosos; a desgraça dos famosos faz o luxo do leitor.
Outro estratagema é o tratamento dado à morte de bandidos, em que se confunde jocoso com comemoração das mortes dos culpados pela lei. A acusação de fascismo, inclusive, é, às vezes, justificada pelos editores logo depois da edição ser publicada. O tripé “Sangue, Sexo e Futebol” garante ibope; a ética é de difícil fusão. A lógica simplista é complicada, por vezes fazendo com que o jornal assumidamente abra mão da piada. Para os editores, as capas mais importantes são as provocativas, que cobram uma postura veemente das autoridades, especialmente das polícias. Esta é a parte séria.
A autoria da ideia por trás do Meia Hora não é assumida por parte dos comunicadores. Enquanto a ex-dona do grupo, Gigi de Carvalho diz que foi ela a responsável, Eucimar prefere deixar para os outros depoentes falarem a seu respeito. Os méritos a respeito da paternidade da matéria são valorizados pelos números das vendas do jornal.
Segundo a teoria da comunicação, não há uma abordagem menos ou mais ética, ao menos do ponto de vista da linguagem. O que pode ocorrer é o juízo de valor vazio ou desonestamente parcial, acusação na qual a publicação não é comumente enquadrada. O modo como o tabloide se popularizou pode ser encarado de duas formas: a primeira é mais crítica, abordando a tentativa de expressar o pensamento das classes econômicas menos favorecidas de maneira fútil e sensacionalista, o que gera um pensamento preconceituoso, de fobia ao pobre. Outra alternativa é enxergar a questão como mais uma manifestação dos marginalizados, que finalmente têm um material para ler que realmente os represente, não os tratando como estranhos, tampouco ditando a eles o que pensar. Defanti faz toda a investigação que precisa via câmera. A abordagem ainda permite ao espectador tomar partido de acordo com o próprio repertório, salientando que o coitadismo com que a maioria do público do folhetim vê é indevido, já que não é ele digno de pena ou comiseração.