Crítica | As Golpistas
Convenhamos: As Golpistas é um nome bem mequetrefe pra um filme tão bom quanto esse. Aliás, seria um nome mequetrefe até mesmo pra um filme ruim. Infelizmente estamos diante de mais um caso de tradução ruim que faz com que o filme seja inicialmente interpretado de forma diversa daquela pretendida. O seu título original é Hustlers, que além de fazer uma alusão à polêmica revista masculina criada por Larry Flynt, é uma gíria de rua que designa alguém batalhador que quer crescer na vida, porém também serve pra descrever uma pessoa que usa de meios fraudulentos ou inescrupulosos para ganhar dinheiro. As protagonistas de As Golpistas personificam a união desses dois significados.
Baseado em fatos reais, o longa conta a história de um grupo de strippers que se une durante a crise de 2008 depois que os clientes abastados vindos de Wall Street somem do clube onde elas trabalham. Dispostas a subir de vida, elas tramam um plano para lucrar e, de uma certa forma, se vingar daqueles que ajudaram dilapidar a economia mundial.
Explicado dessa forma, o longa baseado em um artigo da revista Rolling Stone parece ser simplório. Porém, é o exato oposto disso. O roteiro escrito pela também diretora Lorene Scafaria tem uma estrutura muito próxima dos filmes de máfia, principalmente Os Bons Companheiros. A inspiração fica nítida na forma ágil em que estabelece o background de cada personagem, nos interlúdios e principalmente nas sequências de montagem. Scafaria vai provocando a imersão do espectador naquele mundo, na vida de cada personagem, mas sem estabelecer as mulheres como uma espécie de Robin Hood que tira a roupa, mas como pessoas decididas a crescer na vida e prover para a sua família tudo do bom e do melhor que elas não puderam ter acesso quando na infância. Outro aspecto muito bacana é o desenvolvimento das relações interpessoais, primeiro as de mestra e aprendiz e depois quando um laço forte de amizade é estabelecido entre o grupo e principalmente entre as personagens de Constance Wu e Jennifer Lopez. Já no terço final, quando a situação do grupo degringola, o roteiro fica dramático, porém na dose correta, desembocando em um final agridoce comovente.
Como diretora, Lorene Scafaria se sai ainda melhor, bebendo na fonte de Martin Scorsese e deixando clara sua inspiração no diretor. A diretora também emula um pouco do estilo que Adam McKay imprimiu nos últimos tempos, principalmente no ótimo A Grande Aposta e de Steven Soderbergh nos seus filmes de assalto como Onze Homens e Um Segredo e Logan Lucky. Entretanto, a diretora imprime sua marca ao misturar as influências e criar um estilo próprio, às vezes usando de uma câmera mais ágil que gira por todo o ambiente captando as reações das pessoas e a dinâmica dos arredores e também de uma mais estática, onde capta as emoções das protagonistas em todas as suas nuances. Há de se elogiar também seu trabalho de direção de elenco, onde cada personagem coadjuvante tem seu momento de destaque, além das ótimas atuações que entregam. Só que o ponto alto é a dupla Constance Wu e Jennifer Lopez. A diretoria trabalha muito bem a dinâmica das duas, tirando momentos sensacionais quando estão juntas em cenas e outros quando estão separadas. Só que apesar da grande atuação de Wu, o grande destaque é J Lo. Além de sua beleza magnética, Lopez entrega uma atuação vibrante, com muita alma e coração. Não são à toa os elogios que ela vem recebendo e toda indicação à prêmio que ela receber será totalmente merecida. Ela está um deleite.
De todos os filmes que pude assistir no ano de 2019, As Golpistas talvez foi a maior surpresa. Um grande filme com ótimas atuações, uma diretora sensível e segura, que sem dúvida nenhuma estará presente na minha lista de melhores do ano.
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