Crítica | O Capitão
Em abril de 1945, duas semanas antes de terminar a Segunda Guerra Mundial, ocorrem os fatos de O Capitão – ou Der Hauptmann, no original – filme de Robert Schwentke, que ficou conhecido na América por realizar Red: Aposentados e Perigosos e R.I.P.D. – Agentes do Além, filme esse que foi um total fracasso de bilheteria e crítica. De volta a sua terra natal ele apresenta o drama de Willi Herold, um alistado de baixa patente, que começa o filme correndo, fugindo de agressores desesperadamente, para não ter um fim em sua vida. Ele vai parar em lugar inabitado, e lá tem uma grande surpresa.
A fotografia de Florian Ballhaus e a música de Martin Todsharow dão um tom quase apocalíptico ao filme, que é todo registrado em preto e branco, e quase não possui falas em seu começo, até o epílogo acabar. O Herold interpretado por Max Hubacher quase passa fome, mas em suas peregrinações, encontra o uniforme de um capitão da SS e o veste. Quando anda na estrada, um jipe passa por si e retorna, para apanhá-lo e ele não resiste a vontade de fingir ser um oficial, ao invés de um soldado raso.
É quase automática a mudança de postura que o cabo sofre, ele passa a agir como um completo imbecil e insensível, dando ordens a todas as pessoas que olham baixo para ele, reconhecendo a autoridade que a nova roupa lhe confere, quase sempre humilhando e destratando essas pessoas, se julgando superior não só por conta do número de estrelas e linhas que carrega em seu peito e ombreiras, mas também por se julgar de uma raça pura e superior.
O roteiro de Schwentke tem algumas peculiaridades. A mudança de comportamento do personagem central é feita de maneira tão perfeita e rápida que faz perguntar se é da natureza humana se corromper tão facilmente pelo poder, ou se aquela roupa possui propriedades mágicas, que deturpam o modo de operar do sujeito. Fato é que ele mesmo possui limites e que são ultrapassados durante o teatro que ele estabelece, e não é ele sozinho a pessoa que veste uma máscara vilanesca, o corpo de soldados do exercito também precisam de uma figura de autoridade para obedecerem, pois sozinhos, são incapazes de ir a frente com as atrocidades que cometem. A relação ali é de dependência mútua, onde a autoridade dá as ordens cruéis e os subordinados a bajulam e essa relação de poder corrompe ambas as pontas do cabo de guerra estabelecido ali.
Em alguns pontos, O Capitão parece um filme “do meio”, como um episódio de um seriado que se posiciona entre o começo e o fim de uma temporada, onde o clímax está próximo e onde os fatos ocorrem de maneira muito natural e fluída. Mergulhar de maneira não avisada neste drama causa estranhamento e incomodo no espectador e isso é muito positivo, pois nenhum filme que trata de temáticas que flertam com holocausto ou com o autoritarismo da extrema direita deve agradar. Mesmo A Vida é Bela que é lúdico claramente tem a tragédia como historia macro, escondida pelo conto engraçado do pai ludibriando o filho.
Até determinado ponto, o filme soa quase didático ao mostrar o declínio moral do antigo cabo, mas após a metade final o quadro se agrava, e um caráter cruel e visceral aparece, com os personagens praticando atos vis com cada vez menos pudor. O entorpecimento pelo poder ignora até os fatos corriqueiros da guerra, como a queda cada vez maior de militares germânicos, mesmo com a iminente derrota eles continuam massacrando os judeus e fuzilando-os a sangue frio.
O modo com a realidade cruza o caminho de Willi e dos seus subordinados é igualmente violento, e começa por uma cena agressiva, onde um dos oficiais de verdade tem sua vida subtraída, em uma sequência tão ligada a realidade que soa até caricata. Novamente ele vê i exercito alemão reduzido as cinzas e os esforços de guerra repleta de corpos caídos e mortos. O que lhe resta são poucos homens que não sucumbiram ao bombardeio britânico, e que não parecem aceitar o quão patética é a atitude dos que ainda professam o discurso de autoridade do fuhrer.
Quando a verdade vem à tona, e o personagem principal é julgado por um tribunal específico se discute se ele era um sujeito insano ou um herói que lutava para fazer permanecer vivo o sonho do Terceiro Reich mesmo diante do derrotismo presente no fim da guerra, ou se ele era um herói que ainda se mantinha firme diante até mesmo do fracasso racista e reacionário das autoridades civis e militares alemães. A conclusão que o filme toma é de que ele era fruto de seu meio, um jovem de 21 anos que se deixou entorpecer não só pelo poder, mas também pela oportunidade de pôr para fora seus preconceitos e egoísmos, derrubando de certa forma o mito de que soldados rasos são estavam lá para cumprir ordens, no caso de Herold, não,para ele a semente do nazi-fascismo já havia germinado e dado frutos dentro de sua alma e coração.