Resenha | Ímpio: O Evangelho de um Ateu – Fábio Marton
Ao se ater as memórias de um ex-religioso, a biografia nacional Ímpio: O Evangelho de um Ateu é prontamente franca sobre os atos, aventuras e intempéries que conduziram boa parte da juventude de Fábio Marton, escritor e jornalista paulistano. Povoada desde sua infância pelos ritos e um imaginário fortemente cristão, e onipresente na sua realidade, durante todo seu crescimento com parentes e amigos praticantes de uma fé inquestionável, sua trajetória nos fascina pela objetividade de seus relatos. Em um mural imersivo de causas e consequências, eles nos fazem vivenciar milagres, exorcismos, fanatismo e toda uma lógica bíblica que baseia uma vida regida pelos ideais evangélicos, no Brasil do século XX.
Partindo da premissa, então, de ser um livro de transgressão entre o caráter religioso de uma pessoa, e a sua chegada ‘natural’ até o ateísmo, o livro reserva cinco capítulos para nos guiar pela desconstrução da fé em um Deus vivo, mas que não pode evitar a morte de uma mãe. Um Todo-Poderoso que, dado a sua absoluta indiferença a seus filhos mundanos, e pecaminosos, levanta dúvidas que a religião tenta preencher, enquanto essa desacredita na ciência e sua teoria (racional) da evolução. Fábio vem de ninho ideologicamente dividido no seio evangélico, e mesmo com uma formação carola, e conservadora, os profetas das igrejas e seus recursos profetizadores parecem ter falhado quanto a doutrinação da liberdade de pensamento que Fábio, desde pequeno, precisava.
E como um peixe precisa da água – mesmo que, neste caso, o peixe tenha crescido num deserto. Logo em sua rápida introdução, e tão curta quanto a publicação da editora Leya, o autor revela não querer ofender ninguém por virar as costas aos preceitos que sua família, e amigos, tanto quiserem imbuir a seus costumes, e sua consciência. A tanto, Ímpio é um livro que se explica o tempo todo, como se criasse desculpas em todos seus inúmeros argumentos para, enfim, rejeitar a adoração e, muitas vezes como afirma a obra, a cegueira de muitos à uma simbologia que requer essa adoração para existir. Um Deus e um Diabo que vivem à custa da crença dos outros, e que, nas suas não-existências, a vida ainda pode ser vivida – e bem, aliás.
Não estamos falando de um herege, e sim de um libertado de toda uma narrativa que escolheram para ele. Mesmo assim, é possível o leitor sentir a culpa de Fábio em suas palavras, já fora da Igreja, assim como a incerteza entre os verbos quando o mesmo relata pequenos grandes eventos que fizeram de Deus uma verdade não tão incontentável, para ele. Aqui, a ciência é vista não como inimiga, mas uma pedra no caminhar confortável e confiante daqueles que atribuem tudo a um poder soberano, e catalizador de tudo em nossas vidas (“Porque Deus haveria de fazer as pessoas espertas, se seria um problema elas serem espertas?”) Eis um livro que levanta questionamentos para que as não-respostas de suas perguntas, e certamente são muitas, possam sustentar a decisão do seu autor, prometida então desde o seu título.
Sua resposta final, então? Deus não é tudo, mas a liberdade, sim. Para uma alma arredia e detetivesca sobre os mistérios que a vida oferece, e que as religiões geralmente nos afastam, tornando-nos carneirinhos para o bem-estar de um pastor qualquer, suas memórias denunciam que a bíblia não é o bastante, e sim o começo para algo maior e que, talvez, possa valer a pena ser vivido no decorrer dos anos. O gosto denunciativo do livro é forte, permeia toda sua leitura, e sua provocação também é latente. Em Ímpio, palavra que justamente qualifica o ser descrente, Fábio Marton jamais tenta amaciar ou afiar seus relatos, deixando para cada leitor a chance de questionar a validez de uma obra que poderia ser mais sofisticada em sua construção, mas cuja sinceridade mostra-se pertinente em vários momentos de pura inspiração, e ousadia, numa sociedade norteada por diversos preceitos religiosos para o bem, e para o mal.
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