Resenha | O Relógio do Juízo Final
Para além de todas as brigas do autor Alan Moore com a DC e Marvel, e a óbvia rejeição que ele passou a ter pelos quadrinhos mainstream de super heróis e pela industria, O Relógio do Juízo é uma saga em doze capítulos, cuja intenção é confrontar o universo de Watchmen com a linha comum da DC. A história escrita por Geoff Johns e desenhada pelo seu parceiro de longa data Gary Frank começa dentro da linha dos quadrinhos de Moore e Dave Gibbons em 1992, após o apoteótico final onde o mundo se reuniu para enfrentar o mal arquitetado pelo homem mais inteligente do mundo, Ozymandias, e o mostra já em derrocada, tentando viver apesar da culpa por conta de milhares de mortes.
Watchmen é uma revista com muitas camadas. O mesmo não se pode dizer dessa tentativa de continuação, embora a leitura resulte em uma homenagem digna não só à obra original, mas também ao legado do Superman e aos heróis clássicos. A trama inicial reúne alguns personagens clássicos e novos dentro desse mesmo universo e estética, além de outros que fazem parte do legado de alguns vigilantes e personagens que já se foram. O Dr.Manhattan aparentemente foi para outra dimensão, e Ozymandias, o novo Rorschach, Mímico e Marionete (esses dois, personagens novos) vão atrás dele para tentar consertar o seu mundo.
Para entender esta historia é bom acompanhar duas outras publicações antigas, primeiro, a saga do Renascimento DC, depois Batman e Flash: o Bóton, mas não há elementos nessas interseções que tornem a apreciação desta. O que se vê logo nas primeiras páginas é uma linguagem gráfica e verbal bem violenta, com uso de palavreado torpe, mutilações e muito sangue, mas nada que seja exagerado, Johns tem cuidado para que nada soe gratuito, e para que a história vá tomando gravidade de maneira gradual, com um desenrolar de fatos que condiz com isso.
O roteiro acerta demais ao associar personagens dos dois universos que de certa forma, são contrapartes um do outro, para além da óbvia comparação entre os personagens que Moore criou e os da Charlton Comics, (estes aliás, tem uma breve aparição como curiosidade). A união entre Adrian Veidt e Lex Luthor faz sentido, sobretudo nas traições que um comete contra o outro, além é claro da inteiração entre o Homem Morcego e uma das novas versões do personagem, no caso, o Rorschach. A edição que conta a origem do novo vigilante beira o sensacional, expande bem um dos elementos propostos na história clássica e dá novos significados. Outros personagens secundários também têm boas aparições, com participações tão boas que a melhor apreciação ao leitor seria a de não saber sobre a presença deles até a hora de ler a edição correspondente.
Da parte do “universo DC”, a Guerra Fria retorna agora envolvendo Estados Unidos e a Rússia de Vladimir Putin. Além disso, há uma trama de teoria da conspiração, que atribui a quantidade enorme de meta-humanos em solo americano a um possível experimento do governo, e no meio dessa paranoia, os personagens da Liga da Justiça se vêem com a credibilidade abalada, sobretudo o personagem mega poderoso chamado Nuclear. O sujeito que está acima desse sistema é o herói mais poderoso da Terra, o último filho de Krypton. O texto repete a pecha de que o homem mais poderoso vivo é o fiel da balança de um mundo em ebulição, e de fato o paralelo entre Manhatan e Superman faz muito sentido.
Gary Frank utiliza um traço semelhante ao de Gibbons ao referenciar momentos clássicos da HQ original, isso acrescenta um grande charme a Relógio. Além disso, os novos “substitutos” ao Cargueiro Negro tem um elemento de metalinguagem muito bem pensado e encaixado, e esse ciclo de repetições aumenta a ideia de que o universo tende a se limitar a ciclos redundantes, mesmo o Metaverso que é apresentado nesta história.
A ideia do herói desumanizado, que por conta da onipotência se torna insensível e imprevisível também foi abordada na versão da HBO e de Damon Lindelof para Watchmen, embora as duas produções não tivessem qualquer envolvimento de idealizadores, tudo por pura coincidência.
De certa forma, a proposta de que Relógio do Juízo Final uniria dois universos distintos não é sincera, afinal, o argumento de Johns mira um belíssimo crossover, como se os antigos Marvel x DC tivessem peso político pragmático em suas histórias. Essa é sobretudo uma aventura solo de Jon Osterman, quase como um O Que Aconteceria Se o Dr. Manhattan encontrasse o Superman. A historia de Johns e Frank se prova mais uma vez uma bela homenagem aos quadrinhos clássicos da DC e aos seus maiores ícones, amarrando bem ao menos o ideal do Super Homem com a capacidade de poder e grandiosidade quase infinitas de Manhattan, além de não tentar ressignificar narrativamente a historia de Alan Moore, embora acrescente alguns elementos de discussão pertinentes aos personagens secundários de Watchmen, soando enfim como uma boa alternativa ao futuro dos tão adorados entes da graphic novel de 1986.