Crítica | Batman: A Piada Mortal
A Piada Mortal é considerada uma das maiores histórias em quadrinhos já escritas com o Batman, e desde seu lançamento é envolta em polêmicas. Escrita por Alan Moore e ilustrada por Brian Bolland, a trama conta a origem mais aceita do Coringa até hoje (mesmo após tantos reboots e retcons) e marca o início de uma fase traumática para Barbara Gordon, a Batgirl. Inicialmente, teria sido apenas um especial ao estilo Elseworld (túnel do Tempo, no Brasil), mas por trazer questões tão cruciais à vida dos personagens, seus elementos mais importantes acabaram sendo inclusos no cânone das hqs do Homem-Morcego.
Embora Alan Moore sempre tenha se mostrado avesso às adaptações de suas obras para outras mídias, a DC parece não se importar com isso nem um pouco e lançou A Piada Mortal como um filme animado. Muito barulho foi feito, principalmente porque o roteiro ficou a cargo de Brian Azzarello, que inseriu uma história da Batgirl no início do filme na qual ela tem um relacionamento com Batman. A justificativa seria levar um pouco mais de polêmica à obra. Desnecessária, por sinal.
O filme começa mostrando ao público um pouco da vida de Barbara, e o quanto sua guerra ao crime em Gotham City se dá sempre à sombra do Batman. A justificativa de transformá-la em uma personagem mais forte perde-se no roteiro, já que em todas suas incursões no submundo do crime, Batgirl acaba dependendo muito do seu mentor para resgatá-la. A raiva que ela sente dos modos arrogantes de Batman acaba se confundindo com desejo sexual, em uma cena sem química, que serve apenas como pretensa polêmica e desconforto – tanto para a personagem, que tem que lidar com isso depois, quanto para o público. Barbara, ao final desse arco, decide aposentar sua carreira de combatente do crime.
Após essa introdução, inicia-se o arco referente à história em quadrinhos propriamente dita. E aí vemos pura e simplesmente o texto de Alan Moore adaptado pra animação. O filme segue a mesma estrutura narrativa, inclusive a mesma paleta de cores usada por Brian Bolland na edição de luxo remasterizada. O design dos personagens lembra bastante a série animada – principalmente a Batgirl – exceto o Batman, que está idêntico ao visual de Bolland, sem a elipse amarela envolvendo o símbolo do morcego em seu peito, e com orelhas no capuz que mais parecem chifres. A tempestade anunciada por Babs no fim de seu arco dá o clima da chegada de Batman ao Asilo Arkham, tal qual na hq. Há uma explicação pra visita do Cruzado Encapuzado ao hospício, mas totalmente descartável e não se retorna mais ao assunto. Batman descobre que o Coringa mais uma vez escapou, e inicia uma investigação.
O Coringa é mostrado negociando a compra de um parque de diversões abandonado e temos os primeiros flashbacks de sua origem mostrados, enquanto na bat-caverna vemos várias encarnações do vilão nos arquivos do bat-computador. Assim como Bolland reverenciou diferentes fases do Príncipe Palhaço do Crime nesse quadro da história original, vemos alguns easter-eggs de diferentes versões do Coringa em filmes e desenhos, com destaque para uma homenagem bastante clara a Heat Ledger. Em mais alguns flashbacks conhecemos o passado do criminoso como comediante fracassado enfrentando uma crise conjugal e entrando no mundo do crime para, talvez, remediar sua vida desgraçada. E então chegamos ao ponto crucial do filme: o ataque covarde e violento ao Comissário Gordon e sua filha Barbara.
O filme retrata esse momento de forma bastante crua, e o impacto da cena não deve em nada à hq. Ver Barbara se contorcendo e chorando no chão, sobre os estilhaços de vidro da mesa de centro sobre a qual caiu, enquanto seu pai é espancado por capangas, é realmente uma cena bastante forte.
Gordon é levado para o parque, onde é despido, torturado e obrigado a um passeio pelo trem-fantasma que deveria levá-lo à loucura, pois cenas de sua filha baleada, nua e sangrando, são exibidas enquanto o Coringa faz um número musical. O objetivo do Coringa é provar que qualquer um pode enlouquecer se tiver “um dia ruim”. Batman, enquanto isso, segue procurando alguma pista que o leve até o paradeiro do comissário. Ao chegar ao parque, encontra Gordon em sua deplorável condição fragilizada, mas que pede a ele para que não cruze a linha e capture o Coringa “nos termos da Lei”. Há uma luta com o elenco do circo de horrores do Coringa e sua captura ao final. Exatamente como nos quadrinhos.
O fim do filme mantém a dúvida da hq se Batman teria ou não matado o Coringa. Exatamente como nos quadros finais, vemos o Batman rindo de uma piada, enquanto se aproxima do Coringa, que tem sua risada interrompida enquanto a câmera se abaixa e o silêncio reina (não temos, como no gibi, as sirenes da polícia).
A impressão que se tem é que o prólogo é arrastado demais, e a animação inconsistente – principalmente na cena de perseguição, na qual os carros modelados em 3D destoam do restante. É possível assistir ao filme pulando a primeira meia hora sem que nada no entendimento da trama principal seja prejudicado. As cenas do cotidiano de Barbara na biblioteca apresentam um “amigo gay” que nada mais é do que um estereótipo, cujo único objetivo é se fazer perguntar sobre a vida sexual da ruiva. Aliás, vida sexual que se resume a uma “rapidinha” no telhado, que serviria a princípio para criar um vínculo maior entre os personagens, mas que se perde ao não ser revisitada no desenrolar da trama principal. Mais uma vez, vemos o sofrimento de uma personagem feminina servindo de catapulta para uma história focada no protagonista homem. Gail Simone, roteirista de uma das melhores fases da Bárbara Gordon em Aves de Rapina, vem falando sobre isso há muito tempo em seu website Women in Refrigerator, e Azzarello parece não se importar nem um pouco com isso.
O filme tem alguns pontos muito positivos, como o excelente trabalho de Mark Hamill como Coringa. Cada frase é executada magistralmente e nem mesmo durante o número musical ele faz feio! Kevin Conroy nos entrega seu sempre excelente Batman, e a trilha sonora, mesmo nos momentos de silêncio, cria a atmosfera sombria necessária. Mas não chega a ser uma obra-prima, talvez por manter-se fiel demais à graphic novel, talvez por ousar em criar coisas novas em momentos errados. Não chega a ser uma bomba, mas também não tem o charme e elegância de Batman Contra o Capuz Vermelho, essa sim uma excelente adaptação de um arco de histórias do Morcegão!
*Agradecimentos especiais à leitora Monique Carniello pela consultoria
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