Resenha | John Constantine, Hellblazer – Origens Vol. 1: Pecados Originais
Em janeiro de 1988 estreava a primeira revista solo de John Constantine, com roteiros de Jamie Delano (que permaneceria no título até a edição 41) e arte de John Ridgway. As publicações originais do encadernado vão até junho de 1988 e ainda eram publicadas pela DC Comics. Constantine foi criado por Alan Moore e teve suas primeiras aparições nas histórias do Monstro do Pântano. Sua faceta foi tão curiosa e carismática que fez deste um personagem muitíssimo popular, ganhando uma revista solo – Hellblazer – com tramas sobre o sobrenatural e carregadas de imundícies.
A ambientação é toda feita num mundo imundo, repleto de associações a pecados capitais – sendo a fome, nesta primeira edição, o enfoque maior e mais lancinante. A nojeira e os insetos cobrindo Gaz dão um tom de terror absurdamente nauseante. O tema explorado por Delano varia entre possessão demoníaca, fantasmas e dominação do mundo por parte das forças das trevas. É tudo muito sujo, visceral e não poupa o leitor de escatologias.
Os desenhos de Ridgway aumentam o escopo de assombração e tornam as figuras, que já eram bizarras, em coisas mais aterradoras. A arte suja, rasurada e repleta de hachuras mostra o quanto John é perturbado por seus poderes paranormais. Seu cinismo corriqueiro não o exime da culpa que tem pela morte de quem o cercou um dia, tampouco o conforta diante de tudo o que o faz sofrer. Flagra também a humanidade com modos decadentes e vexaminosos.
Não há complacência nenhuma por parte do texto; os dramas escatológicos não poupam os leitores. Fica uma dúvida ainda não respondida: se as pessoas que o protagonista/narrador vê são realmente espectros ou apenas frutos de seus delírios esquizofrênicos. A verborragia dos quadrinhos, com mil balões e descrições, proporciona ao público uma sensação claustrofóbica horrenda.
Apesar de não serem humorísticas, as descidas do protagonista ao inferno possuem tom jocoso, visto que o modo medieval como o lugar é retratado é engraçado para as mentes contemporâneas, mas deve ter tido outro impacto no fim dos anos 80. No entanto, tudo isso é proposital. No terceiro número, Delano faz um paralelo com o cenário político britânico, brinca com as tendências econômicas e faz uma corajosa e clara associação (para quem quer entender) entre os conservadores extremos e a prática satânica.
A Londres de Hellblazer é grafada sob uma ótica pessimista, enfocando sua decadência como metrópole, flagrando grupos diversos de intolerância, em vez de mostrar a enorme cidade de primeiro mundo que engloba tantas raças, credos e nações.
A quarta edição mostra os terrores que um ser humano pode causar ao outro, provando que por mais que o diabo e seus asseclas sejam ruins, ainda assim a figura humana pode impingir medo e pânico em seus semelhantes, e detalha como a crueldade – inerente ao ser humano – pode acontecer com pessoas comuns. Ela também apresenta um grupo extremista sedento por justiça feita com as próprias mãos.
Este arco contém histórias auto-contidas, fechadas em si mesmas, o que permite explorar tramas de tiro curto, porém muito interessantes. O terror do Vietnã assombrou a opinião pública, o que ajudou a volta dos soldados aos seus lares. Escorraçados e tratados como assassinos a sangue frio, sofreram o desprezo por parte dos seus, além de amargarem enorme culpa e paranoia do pós-guerra – especialmente o grupo especial Marines. Delano evidencia essa questão explorando o drama de Frank, um ex-combatente, calvo, gordo, decadente por fora e mentalmente insano, que sofre de forte depressão. Constantine já entra na história reclamando de se inserir (forçadamente) ao horror claustrofóbico das vidas particulares das pessoas. Mais que o roteiro nada complacente, a arte de John Ridgway é pródiga não só em mostrar os horrores que a guerra impingiu, como também o terror que os soldados impuseram aos civis do país. A dúvida maior é se era a guerra que punha para fora os maiores defeitos éticos de seus participantes, ou se despertava nestes os sentimentos de exploração, depravação e narcisismo excessivo baseado no sofrimento do dito inimigo amarelo.
O último número do encadernado faz menção ao Reino Unido novamente, rememorando visualmente o clássico Laranja Mecânica mas com uma temática (ainda) atual, com grupos neonazistas no lugar dos drugues. John C. se vê obrigado a enfrentar um opositor espiritual que tem um pé nos crimes urbanos britânicos – hooliganismo. As soluções que o anti-herói possui beiram o cinismo e são carregadas de sarcasmo. A história termina com um gancho, mostrando uma trama maior a ser explorada mais à frente. Não à toa, Jamie Delano ficou tanto tempo no título, dando lugar, mais tarde, a grandes artistas como Gaiman, Morrison e Ennis. No entanto, o personagem parece mais orgânico quando escrito pelo seu lápis, tamanho o conhecimento e identificação do anti-herói com o roteirista.