Crítica | 007 Contra o Satânico Dr. No
Criar um mito só não é mais difícil que mantê-lo. James Bond virou sinônimo de espião, e seu nome fidelizou o público com sua imagem, desde Sean Connery até Daniel Craig e suas várias faces ainda por vir. A personagem do agente mais secreto do mundo virou o mais amado e copiado de todos – incluindo a cinesérie de Spielberg, um tal de Indiana Jones que viria a aparecer nove anos após esta primeira aventura do Bond mais clássico e divertido de todos, na correria inicial de 1962 adaptada do livro Dr. No, de 1958. O escritor Ian Fleming jamais poderia prever o sucesso da sua versão mulherenga e (não tão) misteriosa de Sherlock Holmes, com o primeiro livro, Cassino Royale, levado as telas apenas em 2006. Por muito tempo, a saga foi a mais bem-sucedida do Cinema, mas já superada por Harry Potter e o universo Marvel.
Na trama, um cientista louco que quer dominar o mundo nos esclarece sobre a SPECTRE, uma organização de gênios que, em tese, controla o mundo por trás das cortinas. São tais persianas que Bond, no melhor estilo Bogart em À Beira do Abismo é obrigado a queimar, em ordem de desvendar planos terroristas em uma base ultra-secreta na Jamaica. Assim como no filme de Howard Hawks ou em Uma Aventura na Martinica, o mito Bond encarna com perfeição em Sean Connery, ainda tido por muito e por quem vos escreve como o melhor 007, não só pelo ator carregar aquele extinto charme da era de ouro de Hollywood, mas se para Pierce Brosnan e Daniel Craig o espião deve ser gélido, direto e mecânico em suas ações, quase assexuado se não fosse as bond girls, para o pai de Indiana Jones tanto cérebro quanto coração mediam o bom uso d’um gatilho. São esses detalhes que fizeram-no mito ao longo de mais de 50 anos e 24 filmes.
Além de afirmar a mitologia bem apresentada neste primeiro filme, a produção mostra competência e, historicamente, o gênero ação deve (e muito) para esta obra e a outros como 007 Contra Goldfinger e Moscou Contra 007, aprimorando uma abordagem, mise en-scène, identidades e uma ambientação tidas, hoje, em 2015, como parâmetro por uma indústria que não sabe olhar para o futuro sem beber do passado.
Quando o Bond mais Bogart de todos, bem como é descrito por Fleming nas páginas do livro homônimo, mata um dos soldados do perverso doutor em seu paraíso tropical para completar sua missão, sem provocar angustia na vítima ou derramar uma só gota de sangue, a primeira mocinha a acompanhá-lo mundo afora o indaga, assustada: “Por que fez isso?”, e Bond responde, “Porque precisava ser feito. Vamos!”, pronto! Está feita para sempre a mitologia e a ética de nosso espião em qualquer outra de suas missões; métodos e temas inesgotáveis, e bem revisados em Skyfall, de 2012, no provavelmente melhor filme da franquia (apesar de ser cedo para afirmar isso).
Mesmo sobre questões extra-filme, como racismo, machismo e políticas globais, o filme é sóbrio o bastante para manter sua elegante atmosfera, aquele charme tão citado que verte da tela, tão envolvente, e interpreta um livro sério demais num filme bem divertido, e que simplesmente não envelhece jamais.
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