Crítica | Ford vs Ferrari
James Mangold retorna a ceara de cine biografias após produzir duas adaptações de quadrinhos (Logan e Wolverine Imortal) em Ford Vs Ferrari, o longa que adapta a lendária historia em torno da construção do GT40, carro da Ford que viria a vencer a Ferrari na disputa das 24 Horas de Le Mans.
O foco do filme é na estranha e intima relação entre Shellby Carroll, único americano até então a vencer a prova, e Ken Miles, um homem difícil mas talentoso, tanto em mecânica quanto nas pistas. Aos poucos o filme desata fatos sobre a relação dos dois personagens, aludindo as coincidências de trajetórias dos personagens de Matt Damon e Christian Bale, atrelando a isso um duo divertido e carismático, que vez por outra, abre mão da realidade para mostrar um bromance cheio de altos e baixos, além de um cenário competitivo do automobilismo.
Shellby é um homem inseguro, no prólogo ele está correndo e percebe suas limitações físicas. Ele para, e vai para os bastidores de uma pequena construtora, ao contrário de Ken, que prossegue correndo mesmo tendo claros problemas econômicos, que resvala na sua relação com sua esposa Molly (vivida por Caitriona Balfe), e seu filho Peter (Noah Jupe). Além é claro de Damon e Bale, o elenco está muito afiado, ao menos nesse núcleo, com os citados e demais interprete desempenhando bem seus papéis. A Equipe Cobra de Shellby realmente parece uma equipe de mecânicos, fugindo de qualquer artificialidade.
O Imax realmente pesa na experiência de assistir o filme e o torna mais grandioso. As cenas dos carros cortando as curvas são absurdas, muito bem traduzidas visualmente, além de ter um som que grifa o ronco dos motores e o canto dos pneus. É óbvio que há muita interferência digital mas o trabalho que Mangold rege faz suavizar essas intervenções, muito por conta da mistura com efeitos práticos e pelo carisma de seus personagens. É fácil torcer pelo sucesso de Miles e Carroll, mesmo que sejam eles homens difíceis, é tudo muito palpável e fácil de encarar.
A entrada da Ford na historia é bem subalterna perto das questões envolvendo os personagens principais. Esse núcleo não repete o brilhantismo dos cockpits da Cobra, mas há muitos bons momentos. É incrível como universos tão diferentes dentro da questão do automobilismo se tocam e se misturam, mas não sem choques fundamentais, não sem guerras de vaidades e de espíritos.
O filme é um pouco extenso, mas não se perde, embora queira abraças muitas questões históricas. Mesmo quando a trama perde um pouco de sua força, há um trabalho esmerado em mostrar que aquele micro cosmo hiper masculino é sabotado exatamente por essa necessidade “machona” de sempre ter razão. Questões supostamente econômicas ganham contornos de rixas pessoais com uma facilidade monstra, e expõe a fragilidade da construção mental desses homens poderosos, seja Enzo Ferrari, Henry Ford II ou os executivos que os cercam. Todos os engravatados são caricatos, tolos e estúpidos, enquanto os que mexem com graxa são humanizados, repletos de virtudes e criativos.
O script não tem medo de soar irônico, e por mais que esteja teoricamente contando uma historia real, ele se compromete com a diversão prioritariamente, fazendo sua historia soar divertida, escapista, valorizando um estilo de vida aventuresco, mas não sem mostrar o cotidiano pragmático e pesado da intimidade dos personagens, em especial Miles.
Os homens vivem sua meia idade em crise, mas sem deixar de dar vazão aos seus próprios sonhos, e isso coincide os dois núcleos bem diferentes, e tridimensionalidade dos personagens faz toda a questão menos pé no chão se tornar crível. A briga física entre os personagens é hilária, mas revela muito mais do que ressentimento e receio via ingratidão, e sim uma cumplicidade e decepção de certa forma pela amizade entre Carroll e Miles não ser das mais perfeitas.
As batidas são muito reais e isso faz com que toda a historia repleta de sub-tramas de Ford Vs Ferrari seja justificada, uma vez há uma abordagem desportiva bem legal, também carregando bastante sentimentos nas amizades e rivalidades mostradas, mesmo que nesse aspecto haja um bocado de maniqueísmo e até um pouco de pieguice.