Resenha | Rosalie Lightning: Memórias Gráficas
Costuma-se dizer que a maior das dores na vida de uma pessoa é perder um filho ou uma filha. Essa inversão da ordem natural das coisas costuma representar uma quebra do ciclo da vida, que acomete a milhares de pessoas mundo afora.
Com a história em quadrinhos Rosalie Lightning: Memórias Gráficas, o quadrinista estadunidense Tom Hart conta sua história de vida, relatando sua experiência com a morte de sua pequena filha Rosalie, e como ele e sua esposa fizeram para lidar com essa incomensurável perda. Escrevendo e desenhando, o autor se abre para o leitor em suas reminiscências, descrevendo sensações, retratando percepções, de um ponto de vista absolutamente sensível: o daquele que perde.
Com menos de dois anos de idade a garotinha faleceu, vítima de um mal súbito, cruel e implacável. Partindo tão cedo deste mundo, Rozi deixou marcas indeléveis em seus pais, que do dia pra noite se viram perdidos, distanciados pelo destino do papel com o qual já haviam se familiarizado, o de pais.
Já estabelecidos como “pais de Rosalie”, Tom e Leela se encontram em uma espécie de limbo identitário após a perda da filha, uma vez que não conseguem mais se definir por outra coisa que não a função que ganharam quando Rozi veio ao mundo. Hart abre o coração na obra e se expõe de forma contundente, esmiuçando as memórias do trauma, abordando a desorientação inerente à perda e os primeiros passos dele e de sua mulher em busca de uma retomada na vida. A narrativa se torna cada vez mais dolorosa na medida em que o autor retrata de forma extremamente verossímil a convivência com a filha, conferindo-lhe identidade e uma vivacidade ímpares.
A Rosalie transposta para o papel cativa a cada quadro em que aparece, o que torna ainda mais triste toda a história, uma vez que sabemos qual o seu trágico destino. É interessante a forma como Hart coloca em perspectiva seu papel nessa tragédia, por vezes se enxergando de forma alienada em meio ao caos que consumiu sua vida durante o turbilhão de acontecimentos pelos quais passou. Mesclando realidade e imaginação, Hart concebe a narrativa como uma colcha de retalhos, para exemplificar o estado emocional dele e de sua esposa.
Se cercando de referências que variam entre a cultura pop e a vida real em sua faceta mais cruel, o quadrinista ilustra tanto seu sentimento de perda como contrapõe o cotidiano de Rosalie. Hart se utiliza dessa concepção metarreferencial para poder lidar com a perda à sua maneira, dando profundidade para a narrativa, sem colocar referências a esmo na história.
Podemos dizer que “Rosalie Lightning” consiste em uma experiência catártica de Tom Hart, em busca da superação de um trauma com o qual ninguém espera lidar. Uma obra sensível e que toca profundamente, a história em quadrinhos versa sobre a imprevisibilidade da vida e o inexorável peso da morte na vivência humana. A arte simples – mas nunca simplória – de Hart confere leveza para uma história naturalmente tensa e pungente. O uso de páginas pretas em determinados momentos para representar a profunda depressão na qual Leela e Tom se encontram é de uma inventividade contumaz.
A mensagem de superação de Tom Hart é poderosa, na medida em que o autor se coloca em uma trajetória de retomada de vida, se impulsionando na memória de Rosalie para superar essa terrível e irrecuperável perda. Rosalie Lightning é mais um grande título publicado no Brasil em 2017 com altíssima qualidade pela editora Nemo, conta com 272 páginas e capa cartão.
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