Crítica | Trocando os Pés
Um dos atores menos rentáveis de acordo com a lista da Forbes, Adam Sandler é reconhecido pelas comédias divididas entre uma categoria mais escrachada, sem pudor para piadas, e um caminho suave que envolve histórias de amor em comédias românticas.
Um dos cartazes de Trocando os Pés (imagem escolhida para o pôster brasileiro) comete um equívoco interpretativo que fará o público imaginar que esta produção é mais uma estrelada e produzida pelo ator com o humor peculiar. Porém, o filme dirigido e roteirizado por Tom McCarthy (UP: Altas Aventuras) apresenta outra dinâmica que recoloca Sandler em uma história levemente dramática – único gênero em que o ator se destacou interpretativamente – e com elementos fantasiosos. Talvez o título original, O Sapateiro, fosse simples demais para o mercado brasileiro. Mas evitaria o tom cômico que, aliado ao cartaz, nos faz imaginar mais um dos produtos típicos do comediante.
Na trama, o ator é Max Simkin, um sapateiro judeu que se sente desanimado em relação a vida. Não sabe se seguir a profissão do pai é sua verdadeira escolha e, dia a dia, vive a rotina sem muita animação. Em um dia consertando costumeiramente um sapato, seu maquinário quebra e o profissional recorre a uma velha máquina herdada do pai. Ao experimentar o calçado recém arrumado, descobre que qualquer peça consertada pelo aparelho lhe permite ter a aparência de seu dono original.
Se há alguma semelhança desta história com suas comédias anteriores está o uso de um argumento fantástico como gatilho para a trama. Como em Click e Um Faz de Conta Que Acontece, a realidade é modificada diante de um objeto ou situação mágica. O fantástico produz uma dimensão mais infantil para a trama pela maneira lúdica – e improvável – com que se apresenta, transformando esta trama em um filme familiar. A própria personagem central sente um encantamento puro ao descobrir a magia trazida pelos sapatos, inferindo ao público uma sensação de história fabular com um personagem bondoso, portador de um artefato mágico que, à procura de se encontrar, realiza peripécias contra inimigos qualificados como ruins e a favor de uma possível mocinha.
O diretor, McCarthy, que ainda está em início de carreira como diretor, é conhecido por suas obras alternativas com destaque para O Agente da Estação, com o pequeno notável Peter Dinklage. Trocando os Pés é seu filme de maior apelo até então, e a figura de Sandler – mesmo não rentável – um atrativo ao público. O roteiro escrito pelo diretor em parceria com Paul Sado destoa na composição entre fantástico e realidade. Um recurso que acrescente uma nova camada à realidade pode ser eficaz para produzir estranheza se o roteiro como um todo for coerente. Filmes como Mais Estranho Que A Ficção e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças demonstraram eficácia nesta afirmação com uma história voltada para adultos.
A maneira como inicialmente a transmutação pelos sapatos é apresentada não retira a impressão de um filme mais familiar, ainda que seu roteiro pareça voltar-se para um público mais velho do que para jovens e crianças. Pela falsa impressão de ser mais um produto bobo de Sandler, o filme pode afastar público específicos. Porém, mesmo com partes dissonantes, a sensibilidade da história vem à tona e sustenta o filme com leveza e ainda apresenta um Dustin Hoffman, como sempre, com excelência e credibilidade em seu papel.