Crítica | A Balada de Buster Scruggs
Os irmãos Coen (conhecidos, dentre outros, por Fargo: Uma Comédia de Erros e Onde os Fracos Não Têm Vez) assinam o roteiro e são responsáveis pela direção de The Ballad of Buster Scruggs. Não à toa, o filme parece uma coleção de contos. Aliás, essa é a maneira pela qual se apresenta a obra, algo como se o espectador estivesse lendo um livro de contos (assim mesmo, em primeira pessoa).
O longo se inicia com a história do criminoso Buster Scruggs (Tim Blake Nelson), um animado pistoleiro do antigo oeste americano, que anda trajado de branco, sempre sorridente e cantarolando. Essa primeira história começa numa locação deslumbrante em meio um deserto repleto de formações rochosas. Embora haja, aparentemente, algum tratamento digital para as imagens, já há aí uma grande entrega da obra. Na trama, Scruggs se mete em uma disputa ao chegar num típico saloon de época. Ao tentar recusar assumir uma mão numa disputa de poker, seu adversário lhe diz: “You see’em, you play’em!” (algo como: Você viu as cartas, então você joga com elas). Esse é o momento em que Scruggs deixa a todos atônitos com sua ação e sua habilidade. “Eu não tenho uma natureza má, mas quando se está desarmado suas táticas precisam ser de Arquimedes”. Apenas 12’45” de filme já são suficientes para conquistar o espectador.
Logo após, o ladrão interpretado por James Franco entra num banco no meio do nada e disputa a existência com um velhinho baixinho e meio louco. Uma atuação para ser lembrada, embora curta. A vontade de ver essa história num longa com Franco atuando dessa forma se torna enorme tamanho carisma. Ironia fina, hilário, comicidade no meio da selvageria sem lei. Joel e Ethan Coen não precisam pensar em assaltar um banco, merecem receber sacos de dinheiro.
Toda a tragédia, todo o drama, toda humilhação e dor pode ser concentrada numa única vida? Liam Neeson é incapaz de ser um personagem diferente? Um ser humano pode ter menos valor que uma galinha? Alguns homens se sentem satisfeitos em usar outros como instrumentos. Se sua moralidade os permitirem, são capazes de usar outra vida como um meio para o alcance de um pequeno objetivo. Da mesma forma, são capazes de se desfazerem de tal vida, facilmente, sem que lhes custe muito. Segundo Abraham Lincoln, “… government of the people, by the people, for the people, shall not perish from the earth” (governo do povo, pelo povo, para o povo, não perecerá na terra); a mensagem dos irmãos Coen nessa citação direta do Discurso de Gettysburg – do então Presidente dos EUA, proferido durante a Guerra Civil Americana em 19 de novembro de 1863 – não poderia ser mais clara.
Pode o homem ser uma força que assusta toda a natureza? Parece certo que a força que impulsiona o homem à conquista, à vontade de ter, o leva a superar o que precisar passar por cima. Tom Waits tem uma excelente atuação, faz saltar da tela a mensagem do quanto a impulsão do homem ao trabalho como meio para o ganho é forte, e tão mais forte quanto maior a possibilidade do ganho. O trabalho pode ser suado, penoso e moral ou amoral, sujo e traiçoeiro (em verdade, o não-trabalho). Muitas vezes, “Só as pegadas no campo e a terra mexida restaram da vida turbulenta que havia interrompido a paz do local e seguido em frente”. O que verdadeiramente importa se o potencial de ganho é alto?!
E a vida pode dar uma pirueta ou piruetas, e fazer tudo que parecia sólido e certo se transformar em areia movediça. Só o desespero sobra. Só falta e ausência. E mesmo em ausência é a cooperação que nos move à frente. A história do homem não é uma história de bravos, fortes, inteligentes, astutos conquistadores solitários. Os solitários, por mais corajosos e fortes, morreram sem disseminar seus genes. Os seres humanos que cooperaram entre si foram mais longe, viveram mais, construíram mais, superaram desafios, lograram mais prole, deixaram para a história a disseminação dos seus genes.
E aonde chega o ser humano, por fim? Tentar entender o que somos? Entender o que, no limite, faz diferir um de outro… Cada um de nós aparenta acreditar ter as respostas, não importa o quão amplas ou estreitas são nossas experiências, cada indivíduo teima em ter (e em ser) a medida correta. É possível observar isso na mais populosa multidão em uma grande “arena” ou no mais estrito grupo no menor dos cubículos. Cada indivíduo vai levando sua vida, julgando os outros, sendo repulsivo, afastando-se pouco a pouco por motivos fúteis uns dos outros, entretidos com bobagens, deixando de fazer, de ser, desperdiçando grande parte da vida. Quando a viagem acaba, quando chega o fim da linha, não é incomum o viajante ter jogado fora a oportunidade de aproveitar a viagem, sem ter nunca entendido de fato o que passou e o que está acontecendo ao seu redor.
Aos irmãos Coen, resta agradecer pelas excelentes doses de comicidade, drama, tragédia, suspense e motivos para refletir. As seis histórias do filme têm uma sequência e lógica entre elas incrível, ainda que sejam sutis e difícil de perceber – não estão no “campo do roteiro em si”, mas no da natureza humana.
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Texto de autoria de Marcos Pena Júnior.
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