Review | The Office (UK)
A primeira cena do seriado britânico The Office – que fez o começo da fama da Ricky Gervais, um marco da parceria do comediante com Stephen Merchant – já trata de estabelecer o quão constrangedora é a postura de David Brent (Gervais), o gerente da Wernham Hogg Paper Company, um sujeito inconveniente e sem qualquer tato social para tratar seus funcionários.
Todo o cerne da série é apresentar um ambiente de trabalho universal, pessoas comuns e sem grandes aspirações como normalmente não ocorre no audiovisual. Ainda no piloto, os personagens principais são apresentados, David Brent, já mencionado; Dawn Tinsley (Lucy Davis) secretária e recepcionista; Gareth Keenan (Mackenzie Crook), discípulo de David em impertinência; e por fim, o vendedor Tim Canterbury (Martin Freeman). Estes dois últimos fazem questão de aprontar peças um com o outro o tempo todo, desenvolvendo uma rivalidade que seria levada à frente no remake americano. Além destes há também a chefe de departamento, Jennifer Taylor-Clarke (Stirling Gallacher), que faz questão de pôr o gerente em seu lugar a todo momento.
O formato mockumentary não era tão comum em 2001, assim como a ideia de documentar de maneira falsa a rotina de trabalhadores comuns, mas também faz um comentário sarcástico sobre a hipocrisia comum ao cidadão médio, como quando o documentarista deixa David explicar o motivo de haver pouca variação étnica em sua empresa, mostrando assim um lado bastante racista por parte do responsável pela empresa, que vive confundindo todos os não brancos unicamente por não serem caucasianos.
A imbecilidade e falta de noção do gerente é tamanha que este faz pegadinhas com possíveis demissões de seus funcionários. A ausência de claquete faz aumentar a sensação de desconforto, demorando para ambientar o público não acostumado com a temática de comédia inglesa.
O primeiro ano desenvolve um pouco da intimidade dos personagens, primeiro com a questão envolvendo o relacionamento em declínio de Dawn e Lee (Joel Beckett), consequentemente tratando também do flerte proibido entre a moça e Tim. A pessoa mais próxima do normal dentro desse ambiente de trabalho é o próprio Tim. Além disso, o vendedor não vê muitas perspectivas de crescimento na empresa, e seu sonho antigo de cursar psicologia é adiado graças a uma pequena promoção que recebe, ainda que o motivo real para continuar ali seja outro que não o lado financeiro.
A segunda temporada se aprofunda nos detalhes técnicos do trabalho, mostrando a fusão de uma filial com outra. Também se observa a total falta de sociabilidade de Gareth, que age como um misógino orgulhoso. Além disso, se demonstra uma nova “rivalidade” nascendo, ainda que isto se deva basicamente a uma típica cobrança trabalhista, vindo de Neil Godwin (Patrick Baladi), o novo superior de Brent, que vem da uma outra unidade da empresa para unificar as filiais.
O nível de constrangimento e vergonha alheia aumenta absurdamente no final desse segundo ano, uma vez que Brent é enquadrado, tanto em seu falso sucesso como gestor, quanto na condição de trabalhador comum. Sua demissão era um evento já esperado, visto a completa falta de tato e noção, além da condição adversa pela qual passa, intensificada pela documentação em vídeo de sua rotina.
A história que se passa quase três anos após os eventos iniciais mostra Brent em decadência, reclamando da exposição que sofreu no tempo posterior a sua demissão, e como se tornou motivo de piada por onde passava. Incrivelmente, os especiais servem mais a causar uma reflexão do que fazer graça. Os momentos finais, mesmo que proferidos por David – que claramente mistura as palavras maduras com momentos de pouca inspiração – soam inteligentes e precisas, quase poetizando o total dos 14 episódios gravados e exibidos, prevendo uma faceta que Gervais exploraria mais em Derek e nos filmes que dirigiu com Merchant posteriormente.
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