Resenha | V.I.S.H.N.U.
Então é assim… antes, eu estava atrás do que está atrás do meu pensamento… agora… só não queria que me levassem… para onde eu vim!
Mas… estou. Ou… Sou.
Eu sou o que vocês procuram… Me chamem pelo nome que me foi dado…
Me chamem de… V.I.S.H.N.U.
É com essa introdução, com um quê de filosofia e até mesmo com um tom shakespeariano, que se dá a abertura de V.I.S.H.N.U. E se ela soa um tanto quanto pretensiosa a princípio, seus idealizadores têm a confiança de que conseguirão entregar um trabalho à altura. Trata-se da primeira Graphic Novel brasileira de ficção científica, o que por si só já um marco.
Em um futuro tecnológico, temos o dude, uma inteligência artificial quântica conectada à nuvem mesmo quando o seu dono pessoal não estiver online. Ele é capaz de organizar sua vida, realizar qualquer transação digital e até cuidar de seu lazer. Em poucos meses, possuir um ‘dude’ é tão banal quanto possuir um celular. Aclamado por um feito único, essa foi a primeira IA da história da humanidade a passar no Teste de Turing. Claro que, ao chegar ao cidadão comum, tal inteligência já era usada por indústrias ao redor do globo, o que criou uma grande dependência da humanidade no dude para manter o seu modo de vida. Serviços, transações, transporte e governos inteiros… o dude é praticamente onipresente. E quando essa IA se colapsa de forma misteriosa e sem deixar rastros de seu fim, o impacto é gigantesco. O que se ergue após isso é uma sociedade dividida pelo medo do que a tecnologia pode nos trazer ou nos tirar.
Novos complexos de pesquisa tecnológica são criados ao redor do mundo com o objetivo de estudar inteligências artificias e nos precaver de um novo desastre como o dude. É em uma dessas bases que surge V.I.S.H.N.U., uma nova e assustadora IA que tranca todos os sistemas do complexo e se recusa a se comunicar até que tragam até ele o cientista greco-brasileiro Karabalis.
O roteiro de Ronaldo Bressane mostra desde o início que o argumento que se seguirá neste thriller vai além do campo da ficção científica, demonstrando, também, que possui uma abordagem política e filosófica, como vimos em sua abertura. Cuidadosamente enveredando por temas que envolvem neurociência, além de descobertas recentes do campo tecnológico, tudo com um toque sutil para tornar tais temas incorporados à trama principal.
A arte em preto e branco fica por conta de Fabio Cobiaco. Trabalhando menos nos detalhes e mais no contraponto entre preto, branco e cinza, ela traz uma aura que casa perfeitamente com o tom de uma sociedade que enfrenta um momento de pós-colapso tecnológico.
A graphic novel é dividida em 12 capítulos não-lineares que mesclam muito bem os temas propostos. Em um formato pouco comum (29x29cm), mas muito bem estilizado, V.I.S.H.N.U. é promissor e mostra que temos, sim, espaço e demanda para tal temática dentro do mercado nacional. Fazendo justiça ao que de melhor se espera do gênero ficção científica, com uma trama bem conduzida, críticas sociais e existenciais, tudo isso envolto em um enredo que flui com facilidade.
Espero que os idealizadores deem continuidade ao trabalho, pois, apesar de ser uma história com arco fechado, deixa também aberta a possibilidade para mais narrativas.
No trailer abaixo, uma leve demonstração de sua arte e algumas das frases marcantes presentes nessa obra.
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Texto de autoria de Amilton Brandão.