Resenha | Amor Sem Escalas – Walter Kirn
A premissa imediata e de fácil digestão de Amor Sem Escalas, tanto o livro quanto o filme de 2009, resume basicamente a de qualquer artista que decide narrar uma estória: Nos embarcar em uma aventura em um mundo de tempo próprio, mas que se parece com o nosso. Seja o tempo que leva para James Bond atravessar o globo, sejam os anos que passaram desde o retorno de Nárnia, o tempo assimilado por nós no decorrer de um conto é um fator essencial para nos situar sobre todos os elementos internos de uma narrativa – aos interessados, favor estudar sobre isso algumas páginas do clássico Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis; ótimo exemplo do grande artesão do tempo literário que este nos foi.
E é justamente este fator que muitos escritores, ensaístas, cronistas, ou seja lá como preferem ser chamados, não parecem se importar tanto no desenrolar de suas tramas, deixando leitores aliás confusos, com a sensação de desprendimento que nunca poderiam ter ao longo da conexão com um mundo decifrado por palavras. Atenção esta que Walter Kirn, apesar de não ser um grande artesão de nada, mas sim sobre o nada, parece ter do começo ao fim da obra, sendo tanto tempo quanto espaço as duas constantes prioritárias que esse seu best-seller, regularmente adaptado aos Cinemas por Jason Reitman e estrelado por George Clooney, nunca deixam de lado.
Contudo, nem só de prioridades vive algo – ou alguém. Se o único norte de Ryan Bingham é controlar seu tempo indo ajudar empresas a cortar gastos por meio de demissões, algo completamente rotineiro para esse homem cuja mala está sempre nas mãos, sapatos nos pés e pés nos check-ins dos aeroportos americanos, tão desprendido quanto uma águia do chão e de outras aves, é também difícil não reconhecer Up in the Air (o título original mais honesto sobre a natureza da história) como um romance fraco, e que nunca mergulha, de fato, em suas vias dramáticas em potencial que Kirn, seja por medo ou insensibilidade, parece estancar ao invés de explorá-las, como se espera.
Ironicamente, não demora (nem um pouco) para se perceber que o peso da leitura demonstra-se tão frívolo e com um drama existencial tão descartável quanto as nuvens que Ryan, cansado, observa da sua poltrona, com o lema “alguém precisa fazer o trabalho sujo” tatuado na testa, enquanto segue demitindo mais pessoas para garantir a sobrevivência de grandes corporações. Mas é óbvio que, para um agente da frivolidade do momento, tal um pássaro em voo livre, qualquer conflito que apareça no seu caminho é uma barreira, um obstáculo que só atrapalha sua trajetória, e Kirn sabe disso, fazendo de Amor Sem Escalas um romance que cria, alimenta e se apoia em suas conveniências desde as primeiras páginas para existir e transmitir suas mensagens, e isso não é nada bom.
Quais mensagens seriam essas? Elas ficam, na verdade, bastante claras lá pelo meio das suas páginas demoradas: Somos todos escravos da modernidade líquida de Zygmunt Bauman, diz o livro quando para de exclamar, mais alto ainda, que o caminho importa mais que o destino e por isso ele deve ser vivido da melhor forma possível. O caráter de autoajuda e otimismo exagerado típico das crises de meia-idade quase descamba pro explícito com a entrada de novas personagens, mas Kirn mantém a dignidade e impede isso por pouco, graças também às suas boas tiradas – principalmente no começo do romance, e sempre dentro das aeronaves onde seu protagonista, indeciso e espertinho, fica refletindo sobre a vida e os objetivos de cada tripulante. Nesse paralelo (um tanto forçado no livro) de um avião com os rumos da vida das pessoas, falta gasolina no motor de Kirn para explorar os recantos dessa realidade invariavelmente oca.
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