Crítica | 2 Coelhos
O estreante Afonso Poyart cria uma narrativa inédita no cinema brasileiro, vomitando uma série de referências à cultura pop, aos quadrinhos (a apresentação de seus personagens é um bom exemplo), games (uso de computação gráfica simulando jogos como GTA) e o próprio visual nos remete a alguns diretores do cinema norte-americano, como Zacky Snyder, além de uma narrativa visivelmente influenciada por grandes mestres como Quentin Tarantino. Contudo, essas referências servem apenas como elementos no universo apresentado pelo cineasta. As influências existem, mas em nenhum momento a identidade da nossa cultura é perdida.
2 Coelhos conta a história de Edgar, que passa seus dias ou vendo filmes pornográficos em seu computador ou jogando videogame em sua TV. Seus planos como jovem adulto não deram certo e agora ele elabora um plano complexo em que visa resolver dois problemas simultaneamente ao concretizá-lo. No decorrer do filme, descobrimos a ligação do protagonista com Walter (Caco Ciocler) e Julia (Alessandra Negrini).
Com uma estrutura narrativa não-linear e intervenções gráficas para explicar alguns trechos da história, 2 Coelhos é mais do que competente. Apesar do excesso visual, o que acabamos vendo é algo autêntico. O roteiro do próprio Poyart fala de temas recorrentes no cinema brasileiro, como corrupção e violência, com um ar de filme noir. Edgar é um personagem dúbio, com narração em off, Alessandra Negrini é a femme fatale, e que lugar melhor para ambientar uma história do gênero do que na cinzenta cidade de São Paulo.
Assim como em Tropa de Elite, a trama expõe um Brasil corrupto, com leis que beneficiam os favorecidos e prejudicam aqueles que realmente precisam dela. Contudo, o filme não tem a pretensão de colocar o dedo na ferida e escancarar as mazelas sociais do povo brasileiro e nem de ir à fundo na corrupção. Até porque não é esse o objetivo do longa. O filme é uma forma de desabafo, mas mais do que isso, 2 Coelhos quer mais é brincar com o tema de forma ácida do que fazer um filme-denúncia.
A direção e fotografia são mais do que competentes, mas pecam pelo excesso, porém é algo que é facilmente relevado levando em conta que este é o primeiro filme do diretor, além do que, a forma como o roteiro se encaixa com o desenvolvimento da trama faz com que esqueçamos isso. Destaco a cena de tiroteio que ocorre na praça Roosevelt, em São Paulo, digna de filmes policiais norte-americanos com grande orçamento.
O elenco tem seus problemas e acertos. Fernando Alves Pinto se sai muito bem como protagonista, é um personagem que sabe o que quer. Alessandra Negrini (sempre linda) parece não se firmar na sua personagem e em alguns momentos parece ligada no piloto automático. O mesmo não pode se dizer de Caco Ciocler que praticamente não tem diálogos durante o filme e ainda assim rouba a cena, tudo isso apenas com expressões corporais. Roberto Marchese interpreta o deputado Jader e coloca todo o cinismo necessário para tornar crível algumas ações do mesmo. Por último, mas não menos importante, Marat Descartes é Maicom, um vilão que não mede esforços para alcançar seus objetivos, uma pena que sua personagem exagere na “canalhice”.
2 Coelhos é um filme que cresce cena-a-cena e até o final da trama se consolida como algo que vai muito além do visual. O cinema brasileiro agradece.