Resenha | Opus
O mangá Opus começa no capítulo 24 da parte 3 de Resonance. Uma mulher está apontando uma arma para a própria mãe quando, de repente, a cara desta começa a derreter, revelando ser o vilão mascarado.
Calma. Respira. Do que diabos estamos falando? Na verdade, Resonance é o mangá que o protagonista de Opus está prestes a finalizar. O artista Nagai quer dar um desfecho X, porém seu editor gostaria do final Y. A partir daí, uma série de acontecimentos bizarros tomarão a vida de Nagai, pois a realidade se juntará à ficção que ele mesmo criou!
A obra é uma aula de metalinguagem, e Satoshi Kon esbanja genialidade nesse aspecto. O saudoso mestre Kon mostra os embates internos de um artista em relação à própria obra, além de deixar muito claro que forças externas podem simplesmente encerrar uma obra de forma abrupta. E quanto mais você avança nos dois volumes do mangá, compostos de 20 capítulos no total, por vezes esquecemos o que é realidade e o que é ficção.
Nagai encontrará seus próprios personagens, e estes acabarão se rebelando contra o roteiro já escrito. Daí teremos o início da fusão entre realidade e ficção, e o termo “furos de roteiro” ganhará um novo significado para todos nós (leia para descobrir do que estou falando). É realmente incrível a sagacidade de Kon ao trazer tantas alegorias e loucuras para retratar algo extremamente real: a dificuldade de um artista conceber uma obra e ter controle sobre ela. No caso de Nagai, a força externa é seu editor. Para os personagens de Resonance, essa força externa é o próprio Nagai. E agora as criaturas encontram seu criador e juntos tentarão mudar os rumos do roteiro. Ou será que não?
Talvez o ponto mais genial desta obra seja a casualidade que envolve a criação do final. O último capítulo da obra não foi finalizado pelo autor. Isso mesmo, Opus tem o mesmo problema de Resonance. “Então estamos diante de um mangá sem final?”, você pergunta. Felizmente, não. A editora, ao publicar o mangá, teve acesso ao rascunho do capítulo final, e este pode ser conferido na íntegra aqui. Interessante que mantiveram o material 100% original, com a arte quase toda em lápis. Eu custo a acreditar que isso não foi uma jogada de mestre de Kon, pois conversa de forma perfeita com Opus. Basta notar que no primeiro capítulo Nagai entrega o capítulo final em rascunho. E agora, o próprio autor de Opus só possui o final do mangá em rascunho…
Intencional ou não, Opus é uma obra fascinante que brinca com a própria realidade e retrata uma espécie de bastidores da alma de um artista. Satoshi Kon é um mestre imortal que merece ser apreciado sempre (assista a Perfect Blue e Paprika para notar algumas ideias que diretores de Holywood “pegaram emprestado”, só para citar dois exemplos). Pena que a Editora Panini não deu um tratamento melhor a edição brasileira. Uma obra desse calibre merecia, pelo menos, páginas com papel de melhor qualidade, que é o caso das páginas coloridas que abrem o volume 1. Vencido esse pequeno obstáculo, Opus é um grande mangá que merece pertencer à sua estante.