Crítica | Fogo no Mar
Ao ganhar o Urso de Ouro de melhor filme no festival de Berlim de 2016, o diretor italiano Gianfranco Rosi afirmou esperar que “este filme sirva para fazer as pessoas tomarem consciência de que as pessoas não podem continuar morrendo no mar para fugir de uma tragédia”. Com frase de tamanho impacto, um espectador mais incauto poderia achar que o filme teria mensagens políticas dignas do ativismo de um Oliver Stone ou um Michael Moore. Mas quem se deixasse levar por essa ideia estaria redondamente enganado. Rosi e seu novo longa, agora indicado ao Oscar de melhor documentário, Fogo no Mar retrata a dura jornada não só da viagem dos imigrantes africanos e do oriente médio para a pequena ilha de Lampedusa no sul da Itália, mas também a vida dos habitantes locais.
Também mostrado no filme está o garoto Samuele Pucillo, um morador infantil da ilha que vive com sua família e tem na tela retratada parte do seu cotidiano, enquanto recebe todo o cuidado e atenção médica, carinho e dedicação. A ideia de Rosi é contrastar todo o estilo de vida europeu com a tragédia humanitária dos imigrantes, com o parco tratamento que recebem ao chegarem na Europa, ao lidarem também com funcionários esgotados que veem aquele cenário frequentemente.
Se geralmente documentários caem no vício da narração em off para descrever oralmente tudo o que já estamos vendo, Rosi não comete este erro ao nos deixar plenamente a vontade para tomarmos nossas próprias decisões sobre o que estamos vendo. A câmera só fica lá parada nos mostrando as paisagens, os resgates, os rostos desamparados, a desumanidade crua, os abrigos dos imigrantes, os seus pequenos escapes diários em um jogo de futebol e o desabafo de um médico italiano que tenta ajudar, mas acaba sentindo o ônus emocional de tal fardo em suas costas.
Enquanto retrata a questão dos imigrantes, o documentário se mantém atrativo, informativo e prende a atenção do espectador. Porém, ao se focar por vezes demais no cotidiano de Samuele e sua família italiana, o documentário perde o ritmo e a mensagem que deveria ser de comparação entre aqueles mundos distantes que foram aproximados tragicamente acaba ficando em segundo plano. Neste aspecto, o tempo de tela de cada um dos dramas retratados acaba sendo mal planejado, o que também ressoa na duração do documentário, de quase duas horas. Um vício no cinema moderno que parece não ter fim é justamente esse, o de excesso de informações que arrastam um filme de 90 minutos a muitas vezes mais de duas horas, diluindo uma potencial experiência transformadora em uma experiência tediosa e arrastada.
Tal tema é extremamente necessário ser mostrado para o maior número possível de pessoas, mas por causa das escolhas narrativas e temáticas de Rosi, a mensagem fica demasiada escondida atrás de um filme que ganhará o estigma de filme “europeu” ou de “arte” afastando talvez potenciais espectadores. O objetivo de Rosi provavelmente não passou por isso, mas ao tratar de um tema tão sensível, talvez ele deveria se perguntar o que um dos imigrantes retirados dos barcos clandestinos acharia ao ver seu filme.
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Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.