Crítica | A Voz Suprema do Blues
Em 1927, quando os Estados Unidos ainda nem sonhava com um presidente negro, o capitalismo engatinhava e os afro-americanos ainda provavam o gosto da liberdade, a música unia as comunidades como nenhum outro poder, naquela sociedade. A Voz Suprema do Blues começa sendo um retrato musical deste período, suas tensões e seus costumes no melhor estilo de Uma Cabana no Céu, de 1943, ou o soberbo Carmem Jones, de 1954, mas isso não dura nem 2 minutos – contados no relógio. O diretor George C. Wolfe adapta a peça de teatro de August Wilson com a mesma emoção, potência e inteligência que Joss Whedon comandou a Liga da Justiça de 2017, e alcança a proeza de tornar um conturbado episódio na vida de uma cantora do blues, e sua banda, em um novelão mexicano vazio, sem estilo e sem representatividade alguma, e que parece ter o triplo da duração curta que tem, para dizer o mínimo.
E se o filme faz Cadillac Records, com a Beyoncé, parecer melhor em suas principais qualidades, o que falar a respeito então? Desde a primeira cena, o filme se atira no colo de Viola Davis, um monstro como a diva sentimental Ma Rainey, e só muda de assento quando o saxofonista de Chadwick Boseman surge para roubar a atenção, em três cenas sob medida para ele ganhar o Oscar. Como é indecente o filme, ou a série que se esconde atrás dos seus atores, ou ainda: um diretor cujo trabalho consiste no brilhantismo do trabalho alheio. A Voz Suprema do Blues é um simulacro de porcelana sobre a época que retrata dentro de um pequeno estúdio de gravadora cheio de artistas com egos super inflados, sem coragem de levantar assuntos polêmicos e fortes que até Dreamgirls teve, pouquíssimas vezes, lá em 2006. Toda a conjuntura política que, percebe-se, está lá e que poderia elevar o filme a patamares de fato relevantes, quase não tem vez aqui. Falta de habilidade, ou talvez de interesse. Covardia.
Os filmes originais da Netflix sofrem de um problema crônico: não sobrevivem a uma segunda sessão, com exceção de O Irlandês e mais uns dois gatos perdidos – e que não inclui Mank. A Voz Suprema do Blues é o que é, prato raso sem aspecto memorável algum que nos conduza a revisão. Mesmo para os fãs do Pantera Negra, digo, do Boseman, seria melhor selecionar suas cenas individuais e pagar tributo isolado ao show do jovem ator, lenda que foi tão cedo, tal James Dean e Heath Ledger. Para piorar, o projeto não se decide se é cinema ou ainda é teatro, e por via das dúvidas, o diretor acha melhor nos dar um gosto de peça filmada bem morna, bem esquecível. Péssimo. Um pouco de esforço cairia bem, e o resultado não é pior porque os atores entendem isso, e toda a parte técnica, essa sim, segue impecável – figurinos, cenários e mixagem de som. Sobra visual (como é de praxe na Hollywood do século XXI), falta o principal: visão. Direção. Viola Davis precisa escolher filmes melhores.