Resenha | Homem de Ferro: O Homem Mais Procurado da Terra
Houve uma revolução na postura dos quadrinhos de heróis, nos anos 80. Se antes valia tudo, afinal o gibi era uma mídia sempre desprezada por ser “infantil” e “descartável”, o gênero ganhou um senso de maturidade com O Cavaleiro das Trevas, Sandman, ou ainda, Reino do Amanhã. Assim, se o Batman de Adam West era aceito nos anos 60, agora ele precisa lidar com terrorismo e geopolítica. A mesma coisa com (quase) todos os outros, já que a pegada ficou mais séria, sem espaço para um espírito de Sessão da Tarde – exceto para os títulos mais besteirol, como Deadpool e Shazam. Nos cinemas, a Marvel soube se atualizar para a seriedade do século XXI como ninguém, com a sorte de estar sob a tutela de Kevin Feige, o maior produtor da história de Hollywood, e assim, com o Homem de Ferro ficando cada vez mais popular, nada mais justo uma epopeia que, lá em 2008, na esteira do sucesso de Guerra Civil, ajudasse ainda mais a engrandecer o Ferroso.
E assim, foi: a saga de dois anos do O Mais Procurado do Mundo, reunida e publicada no Brasil em 2017 pela Panini. Desde a primeira página do encadernado nota-se o ninho de inspiração que a saga dos quadrinhos foi para a trilogia do Homem de Ferro, em especial para o Homem de Ferro 3. Há uma caçada imoral a Tony Stark por erros que (caluniosamente) ele cometeu, num passado recente, e a tecnologia das empresas Stark começou a ser tão banalizada como os primeiros celulares da Nokia, mundo afora. Para piorar, os inventos de Tony caem nas mãos erradas, mortes começam a acontecer, e a difamação da figura do bilionário é inevitável. O Homem de Ferro ganha teto de vidro, e de repente, vira um câncer ao bem-estar da humanidade.
Há um interessante debate aqui, escrito por Matt Fraction e desenhado por Salvador Larroca, levemente subvertido pela necessidade de ação e aventura colorida: o poder devastador da mentira, quando essa é muito grande e institucionalizada para a sociedade não acreditar nela. Se o empresário Norman Osborn, vulgo Duende Verde, arma um circo midiático e envenena a opinião pública, fazendo-a acreditar nas piores coisas sobre Tony, ninguém contesta, afinal, como o presidente de uma empresa gigantesca poderia mentir para o público? As pessoas comuns em sua ingenuidade rotineira esquecem que os lobos “acima” são capazes de tudo pelo poder, e Norman Osborn ama tudo isso. Ao tirar o Homem de Ferro da jogada, Osborn acha que venceu a batalha, mas esquece que Tony Stark não é só armas e mulheres: é um gênio de intelecto ímpar, que joga xadrez com o líder do Quarteto Fantástico, e quase sempre tem uma carta na manga. Várias, na verdade, a começar pela sua amada Pepper Potts e seus amigos de ouro.
Tal uma clássica aventura de super-herói, e tão realista como só uma saga pós-Watchmen consegue ser nos quadrinhos, O Mais Procurado do Mundo reafirma tudo o que nos faz amar uma das criações máximas de Lee, Jack Kirby, Larry Lieber e Don Heck. Se falta ao personagem frases do tipo “Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades”, sobra carisma e o senso de empreendedorismo pelo bom combate, pelo fazer a coisa certa, sem trilhar o caminho da maldade, e sim de uma engenhosidade altruísta, e forte. Por que há um mundo melhor a ser alcançado, por meio da tecnologia e da ciência neste caso, e da coragem do homem para consigo mesmo, e homens como Tony são precisos para isso. Eis um belo arco de histórias, bastante complementar e enriquecedor aos filmes, e que de tão bom (e visualmente lindo), não nos faz sentir falta de ver Robert Downey Jr. na pele do herói, ao virar as páginas. Pasmem!