Crítica | Olho Nu
Desde o início da carreira, Ney Matogrosso é um intérprete impossível de ser definido em poucas palavras. Em plena ditadura, ao lado dos Secos & Molhados, foi um transgressor pela postura exibida no palco, entre pinturas, adornos, danças e nudez, elementos que ainda mantém em sua carreira. Em entrevista recente, reconheceu que se tornou um representante de tabus persistentes na sociedade. Mesmo negando assumir a bandeira de qualquer causa, sabe de sua força autêntica.
O homem de um profundo olhar imagético se mantém na ativa e bem representado em discos elogiados, turnês de sucesso, trabalhando na produção de outros músicos – dirigiu o show Coração Inevitável de Ana Canãs – e também com vigor para, vez ou outra, estrelar produções cinematográficas – foi o bandido da Luz Vermelha na continuação Luz das Trevas, dirigido por Helena Ignez.
Olho Nu é uma obra documental que foge dos padrões do gênero e faz de Matogrosso um personagem da própria história. Não se trata de um documentário linear que apresenta depoimentos a respeito do cantor, nem mesmo conta sua trajetória como artista. Dividido entre imagens antigas e cenas contemplativas do cantor visitando sua casa da infância, demonstrando o contato direto que faz com a natureza, o documentário volta-se mais para uma obra de cunho metafórico e memorialista do que um documento narrativo da densa história de Ney.
É um documentário-ensaio – se é que existe tal definição – que reverencia a figura conhecida pelo público. Um projeto que se transforma em uma obra para iniciados, voltado àqueles que conhecem sua obra e, por consequência, compreendem as informações, imagens e videos apresentados. Não há assunto não abordado pela obra. Porém, sem uma linha narrativa aparente, perde-se espaço para definir, mesmo que brevemente, quem é Ney Matogrosso.
Em entrevista, o próprio cantor afirmou que sentiu falta de maior exposição, ainda mais que algumas facetas de sua vida tenham sido citadas brevemente. Levando-se em consideração que é um artista que sempre permitiu a observação do público, sempre foi autêntico em expressar suas opiniões e nunca se esquivou de perguntas polêmicas, é entristecedora a lacuna deixada pelo documentário.
Sem ousar desvendá-la, a figura de Ney Matogrosso, que tem 40 anos de carreira e 70 de vida, é contemplada no documentário. Evoca poesia em suas imagens, desconhecendo que o próprio intérprete basta neste quesito, registrando com sua voz aguda diversas e grandiosas canções. Falta alguém que o observe com profundidade e realize uma obra, seja biografia ou documentário, à altura deste Homem – com maiúsculas.