Crítica | Homem-Aranha
Há quase 15 anos, as histórias em quadrinhos eram consideradas um estilo inadaptável para o cinema. Porém, após o tímido sucesso de Blade: O Caçador de Vampiro e uma primeira grande produção de X-Men, com Bryan Singer na direção, um novo caminho foi sendo construído, e este se tornaria parte fundamental no cinema-pipoca atual.
A vontade dos estúdios em produzir um filme do Homem-Aranha era uma antiga pauta fomentada por boatos e especulações. Somente após o sucesso das produções citadas foi possível um planejamento para que um dos heróis mais populares da Marvel Comics chegasse às telas.
Com direção de Sam Raimi e roteiro de David Koepp, Homem-Aranha é uma produção bruta, não inserida na fórmula cinematográfica dos super-heróis, em que cada filme é trabalhado com base em um universo interligado. Como não havia nenhum plano a longo prazo com tais personagens, a produção foi uma das pioneiras, como uma espécie de teste para descobrir se a fórmula heroica funcionava.
A origem do herói e o universo do estudante Peter Parker são apresentados de maneira simples, como o desenvolvimento do longa-metragem em geral. Não havia ainda a intenção de um relato explicitamente realista com uma abordagem mais adulta das personagens. As cores claras ressaltam-se na fotografia, mantendo a aura de ficção sem perder a percepção da realidade. Com uma personalidade semelhante à inicial proposta pelo criador Stan Lee, Peter Parker é um jovem nerd, estudioso, um tipo vivendo um mundo à parte, incapaz de se relacionar com outros além do amigo Harry Osborne. As cenas de origem, com a aranha modificada geneticamente – uma modificação da origem com aranha radioativa – que o morde, além de suas mudanças físicas, são apresentadas rapidamente, bem como a personalidade tímida e o amor pela vizinha Mary Jane Watson (Kirsten Dunst).
Koepp escolheu como vilão desta primeira história o arqui-inimigo de Homem Aranha, o Duende Verde, incorporado pelo empresário Norman Osbourn após realizar experiências com um soro. Diante de um momento de incerteza dos sucessos de produções de quadrinhos, escolher um grande inimigo foi assertivo. Mesmo que a franquia falhasse, o público teria assistido em tela a um dos maiores embates dos quadrinhos. Ainda que uma das cenas chave entre Duende e Aranha tenha sido levemente modificada, é Mary Jane e não Gwen Stacy, como no original, que é arremessada de uma ponte pelo vilão.
No papel de Norman Osborn, o ator Willem Dafoe foi uma boa escolha para trazer maior credibilidade ao filme e ao papel. Ainda que o uniforme do duende seja bem diferente do gibi, fato que dificultou qualquer expressão facial além da imposição de voz, Dafoe produz boas cenas demonstrando a loucura da personagem. Em destaque para a cena em que conversa no espelho com o duende, destacando as diferentes personalidades pelos olhos e expressões faciais, intensas, como de costume.
As mudanças em relação ao quadrinho foram pontuais. Além da troca de Gwen Stacy por Mary Jane e das mudanças de uniforme, Peter Parker produzia teias naturais ao invés das feitas em laboratório. Na época, um dos produtores do longa alegou que esta era a saída mais verossímil para a história, afinal, como um jovem nerd seria capaz de inventar uma espécie de cola que nem mesmo as grandes indústrias haviam conseguido? Verossimilhança ou não, o assunto foi pauta para reclamações dos fãs, ainda que em arcos posteriores ao filme, e o Cabeça-de-Teia dos quadrinhos também começou a produzir teias naturalmente. A essência, porém, permaneceu intocada.
Mesmo com 27 anos de idade na época, Tobey Maguire foi competente em compor seu personagem adolescente, mantendo a timidez no olhar e as características de Peter, sendo um Parker/Aranha melhor do que seu sucessor, Andrew Garfield. Se o envelhecimento de Maguire não foi um problema, o tempo natural transformou algumas cenas de ação mais precárias. É possível perceber com mais detalhe – ainda mais na edição em alta definição – o uso do CGI em algumas cenas de ação e uma composição mal executada do chroma key. Observações que não tiram o mérito da obra, mas que mostram a evolução da tecnologia nesta última década.
Sem uma cartilha a seguir, a produção acertou na escolha de um bom roteiro, simples mas correto, para esta primeira aventura, obteve um grandioso resultado nas bilheterias e enfim houve a confirmação de que os heróis eram o novo pote de ouro da indústria cinematográfica. Homem-Aranha, ao lado de X-Men e Blade, marcou o primeiro momento dos heróis no cinema, representando uma linhagem heroica que hoje se tornou um dos lançamentos mais importantes e esperados do cinema anualmente.