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  • E se o Cinema Desprezasse Super-Heróis?

    E se o Cinema Desprezasse Super-Heróis?

    E se o Cinema Desprezasse Super-Heróis

    “Não há espaço para super-heróis, nunca houve. Filmes baseados em HQ’s sempre foram um problema pra indústria. Tipos como Superman, Homem-Aranha, Flash e os X-Men simplesmente não conseguem respirar fora dos quadrinhos – imaginem um filme sobre Os Vingadores, com heróis e mais heróis pipocando na tela; impossível. A plateia iria recusar salvadores criados para crianças, principalmente por se sentir inferiorizada diante de outros tão poderosos. Não iria ter identificação com o mundo real, não como acontece nas revistas. Aliás, não há como convencer as pessoas a pagar pra ver um bando de adultos vestindo uniformes e lutando contra o crime, certo? Rapidamente essa fórmula iria se esgotar, o encanto teria prazo para acabar, e, antes de encontrar o fim, é melhor que essa mania de adaptar tudo nem comece! Já bastam os filmes do Superman que, de bom mesmo, só os dois primeiros e o Batman, do Tim Burton. Chega! Quem precisa de super-heróis fora do gibi?”

    Hollywood, e mais do que nunca. A indústria está carente, feito um solteirão trancado num apartamento com dez gatos por uma semana, ou até mais que isso. As grandes ideias ou simplesmente caíram da ampulheta, ou estão sendo poupadas há décadas nas gavetas dos poderosos produtores da Warner, Fox, Disney e cia., com medo do futuro caso de fato boas ideias sejam coisa do passado, ou se a moda de reciclar tudo em infinitas sequências não colar mais e todo mundo começar a pedir algo diferente de Velozes e Furiosos 98 ou Star Wars – Episódio 50. Uma hora vai cansar, né? Tudo cansa, ou melhor, muita coisa já cansou, tipo Transformers, que número está, 78º filme? Nem Optimus Prime dá conta. Mas se a Sociologia explica tudo (quase tudo), nesse caso nem vamos precisar ir fundo na análise… Não é só o Cinemão, que um dia foi comandado pelos grandes cenários de Victor Fleming e William Wyler, e hoje se nutre pelos efeitos visuais de James Cameron que precisa da Marvel e da DC: A sociedade também.

    Precisamos de parâmetros, de espelhos, e precisamos a todo momento. Alguém sem ídolos, como deixa claro O Mestre, de Paul Thomas Anderson, praticamente não existe. Todo mundo precisa de um fôlego, de um “Você me representa!”. Por isso a utopia apresentada no começo, em que os super-heróis jamais seriam aceitos pelo público, é pura mentira, mas se aplica diretamente aos filmes baseados em videogame, os quais, se realmente querem ser aceitos, irão precisar jogar do jeito que Bryan Singer, Sam Raimi e Christopher Nolan fizeram (amém), pavimentando o caminho. Não pode vencê-los? Junte-se ao modo Marvel-DC de fazer as coisas (editoras que hoje estão na Disney, Fox e Warner, e o resto que corra atrás de livros famosos, rápido!). Ainda na exibição de Batman vs Superman, ou em Capitão América: Guerra Civil, é nítido o prazer de assistir a pessoas iguais a nós salvando o mundo. Fazendo a diferença! Nos dá quase um gosto de missão cumprida, não é? Isso não cansa nunca, ou pelo menos demora pra gente dar um O.K., e procurar algo melhor para fazer, para assumirmos que vale a pena.

    Beleza, mas E SE, brincando no universo paralelo das conjecturas, aquele cenário (apocalíptico) fosse uma realidade, tal qual a situação ainda indecisa e inexpressiva dos filmes de videogame, e o primeiro X-Men, dos anos 2000, ou o Homem-Aranha de 2002 e Batman Begins de 2005 tivessem sido enormes fracassos, e ninguém ousasse mais vestir um ator com capa na Comic-Con de San Diego?! Nesse caso, então, a indagação suprema seria outra: como estaria o Cinemão americano, todo lindo e divertido, em 2016, se a gente nunca tivesse chamado a galera pra assistir a quadrinhos numa tela gigante? Muito doente, obrigado.

    Mas calma, estaria vivo SIM, com roteiristas a preço de ouro. Mas seria um sobrevivente como sempre foi, desde muito antes de Spielberg mostrar aos poderosos que dá pra fazer MUITA grana fazendo as pessoas se divertirem, e não apenas se emocionarem como ficou provado com … E O Vento Levou, a maior bilheteria da história levando-se em conta a inflação (três bilhões e meio de dólares, quer mais?). Como imaginar numa situação saudável, tranquila e good vibes, dependendo de franquias como 007, Piratas do Caribe e Avatar, uma indústria com a Marvel faturando 10 bilhões em uma década, e um personagem sozinho feito Batman com mais de quatro bilhões em caixa, com apenas oito filmes? Seria a mesma coisa de tirar o Chaves do SBT, resumindo. Hollywood viciou e nos fez viciar mais ainda nessa gente que voa, é diferentona e solta raios (foi a melhor coisa a fazer), e que essa fonte dure bastante, caso contrário…

    Movimentos em forma de filme, como Avatar (O 3D duplica o valor do ingresso, o mercado está salvo de novo), Central do Brasil (num país pós-retomada do cinema nacional) e Pulp Fiction (ensinando Hollywood que “somos pobres mas somos limpinhos”) tiveram uma importância tão grande para o Cinema que, apagando-os da história recente ou da antiga da arte, iríamos sentir em demasia os efeitos de uma utopia positiva agindo sobre nós; no cenário das hipóteses, tudo pode acontecer. E fica fácil prever uma hipótese dessas se julgarmos o impacto na cultura pop caso George Lucas nunca tivesse criado Star Wars, em 1977. Se a saga dos sabres de luz resumiu uma geração (e levou a veneração à cultura pop, mundo afora, calcando bases sólidas no mercado do entretenimento em massa), sua inexistência deixaria Hollywood órfã de representação e adoração a longo prazo, inclusive na memória de todos nós, já que é isso o que realmente importa no jogo. Mais do que isso: Muito da identidade de uma época nunca teria existido, como aconteceria se o cinema não curtisse o Deadpool.

    Sem a Marvel e DC na jogada, o jeito da cultura pop no Cinema seria apelar para franquias melhores que os tapa-buracos de hoje em dia (Divergente, Maze Runner, Jogos Vorazes, etc), desenvolvendo a qualidade de produtos de um jeito muito mais profundo e menos descartável do que atualmente faz, o que, dada a quantidade de estreias a cada semana, torna-se impossível de realizar em grande escala. A esperança é a última que morre, e sem heróis para fazer o povo continuar saindo da Netflix e indo ao Cinema, talvez teríamos até mais sequências que já temos (“Alice – A Vingança do Chapeleiro Maluco” poderia estrear semana que vem), além da usual avalanche de remakes que só iriam aumentar, obrigando a molecada a descobrir os filmes originais do passado. Outro “talvez” cabível seria o reinado, FINALMENTE, dos filmes de videogame, com ‘Diablo – Parte 4’ estreando em julho. Por que não? Tudo seria possível se a Marvel não reinasse, soberana, e se a DC não tivesse no comando uma ameba chamada Zack Snyder.

    Levando o cinema a experimentar novas possibilidades de contar histórias, em 1977, lá em cima no espaço, Lucas passou o bastão para J.J. Abrams porque, agora, tudo parece ter mudado. Com as histórias de Stan Lee e Bob Kane, de 2000 pra cá, o que os super-heróis nos levam a sentir? Poder, auto-engano em massa, um chamado para salvarmos o mundo… O inconsciente e imaginário populares têm um trabalho importante nisso, e num mundo atacado com terrorismo, aquecimento global e o fim da privacidade, numa realidade dessa e cada vez mais cética sobre quem realmente tem poder nesse mundo (Oi, Google), seríamos nós nossos próprios heróis? O que representa a identidade do século 21 se não salvarmos a nossa própria pele? Isso explica porque eles não são suficientes no gibi, porque precisaram ir para a tela grande, e porque seu maior feito é salvar Hollywood. Isso explica muita coisa.

  • Crítica | Procurando Dory

    Crítica | Procurando Dory

    Procurando Dory - poster

    Desde 2006, após o novo acordo firmado entre Walt Disney Pictures e a Pixar Animation Studios, uma nova fronte de produção de longas-metragens foi estabelecida procurando valorizar as obras lançadas, dando sequência narrativa a continuações aguardadas pelo público. Foi diante deste cenário que Toy Story 3 foi concebido e a partir dele, atualmente, as sequências são lançadas intercaladamente com novos produtos do estúdio.

    Após 13 anos do lançamento do primeiro filme, Procurando Dory chega aos cinemas carregado de expectativa. A produção de 2003, Procurando Nemo, se mantém como um ponto de mudança no estúdio, mantendo a qualidade técnica e ampliando o espectro do roteiro em uma obra capaz de agradar a crianças e adultos. Obras posteriores deram maior importância à parcela adulta das histórias, característica que se tornou fundamental nas obras da Pixar.

    A trama traz o retorno das personagens centrais da obra anterior, desenvolvendo a mesma dinâmica de uma aventura. O enfoque passa a ser da esquecida peixinha Dory à procura de seus pais, perdidos na época da infância. O roteiro de Victoria Strouse e Andrew Stanton, este último também diretor da obra, se mantém eficiente tanto na fronte do humor quanto na vertente sentimental. Porém, com uma base sólida, afinal o público já conhece as personagens, optou-se por desenvolver uma trama divertida em que o riso se destaca na maior parte do tempo em diversos tipos de situações diversas. Permanecendo sob a mesma tônica familiar da história anterior mas com aventura distinta, a obra não necessita da história anterior como sequência cronológica.

    À procura de manter a qualidade obrigatória das produções da casa, personagens coadjuvantes são bem realizados para, além de se destacar com apoio, estabelecerem um papel ativo na aventura, trazendo carisma ao público. Como o polvo Hank, dublado na versão brasileira por Antônio Tabet. Hank é um personagem mal-humorado e com um passado aparentemente traumático, nunca revelado ao público. São os coadjuvantes que possibilitam boas piadas em cenas precisas de alívio cômico.

    A mesma atenção técnica se mantém na animação, ainda que nesta série não exista a intenção de certa transposição da realidade. Equilibrando-se em um registro visual realista nos cenários mas cartunesco nos personagens, o filme se aproxima do desenho animado tradicional ao humanizar ações através dos animais. Personagens expressivos que vivem dramas humanos como a perda de memória, a visão ruim dos olhos e falta de autoestima.

    Se o enfoque da história é uma aventura pautada pelo riso, o drama está situado no tradicional curta exibido antes do filme. Piper segue o estilo narrativo dos curtas-metragens anteriores ao não utilizar nenhum diálogo, pautado por uma animação realista apresentando com sensibilidade um registro quase documental do crescimento de um pequeno pássaro, que sofre a transição da proteção materna para o descobrimento do mundo, e sabendo que deve aprender a ser autossuficiente.

    Estreando no primeiro lugar nas bilheterias americanas e mantendo a mesma posição na semana seguinte, Procurando Dory é um reencontro com personagens conhecidas do público e marcadas anteriormente por um registro sentimental em uma história leve e mais cômica.

      

  • Crítica | Mogli: O Menino Lobo (1967)

    Crítica | Mogli: O Menino Lobo (1967)

    Mogli - O Menino Lobo - poster

    Baseado no Livro da Selva de Richard Kipling, a décima nona produção da Walt Disney Pictures almejava dois objetivos primordiais em sua estreia em 1967: reerguer a moral do estúdio, combalida após o lançamento de A Espada Era Lei, cuja bilheteria foi considerada baixa, e, simultaneamente, honrar o legado de Walt Disney, falecido durante esta produção.

    O sucesso de Mogli – O Menino Lobo foi eficiente para que o estúdio saísse da turbulenta década de 1960 com um saldo positivo, equilibrados entre dois grandes lançamentos, 101 Dálmatas e este, em contraposição com uma obra aquém do esperado e a perda inestimável de seu grande produtor.

    Semelhante a outras obras como A Bela Adormecida e Branca de Neve e os Sete Anões, a trama se inicia com a abertura de um livro, sugerindo explicitamente ao público o início de uma história. Em comparação com a obra original, a composição narrativa foi modificada para apresentar uma trama solar, desenvolvendo a fórmula familiar das animações do estúdio. Contornos mais sombrios e profundos do romance cedem a um enfoque simples que preza, primordialmente, por uma história leve com situações cômicas tradicionais e apoiadas no humor físico. Habitante da Índia, Mogli é um garoto criado por lobos, vivendo seu cotidiano na floresta. Após o anúncio do retorno de um tigre que odeia humanos, seus amigos Baguera e Balu, uma pantera e um tigre respectivamente, decidem levá-lo contra sua vontade a uma aldeia de humanos.

    O roteiro assinado por Larry Clemmons, Ralph Wright, Ken Anderson, Vance Gerry apresenta a mesma estrutura episódica do livro, falhando em apresentar uma maior linearidade aparente. A jornada aventureira do trio central elenca diversos animais típicos da floresta, representando um panorama geral do local. A cada encontro, o grupo compartilha um momento em conjunto e segue a viagem, uma sequência de acontecimentos que se assemelham a pequenas esquetes, sem um fio narrativo maior que costure tais personagens. Se o roteiro falha em uma continuidade temporal adequada, as personagens estão bem delineadas em cena, cada qual com personalidade distinta e focada em um humor de situação que produz riso.

    Neste espaço, a trama desenvolve as carismáticas cenas musicais, tradicionais do estúdio, com direito a uma canção indicada a Melhor Canção Original, Somente o Necessário. Tanto as canções quanto a trilha sonora são ricas, desenvolvendo uma boa mistura entre o jazz americano e uma sonoridade da cultura local, fundamentando o ambiente explorado. Os efeitos sonoros pautam a maioria das cenas de humor e demonstram uma interessante escolha narrativa em que o som e suas representações em cena ajudam a narrativa visual.

    Porém, a falta de uma maior linearidade que desenvolvesse as cenas em uma trama maior retira parte da força narrativa, que não se consagra no panteão de clássicos supremos do estúdio. A história submersa à trama principal, narrando a amizade do trio central, é desenvolvida em contornos mínimos, com um desfecho sem emoção.

    Ainda que menor em relação as outras obras, Mogli: O Menino Lobo se mantém como celebrada obra do estúdio com uma continuação lançada direto em home video e duas adaptações cinematográficas em live action, uma lançada em 1994 e uma contemporânea com direção de Jon Favreau (leia nossa crítica).

    Como padrão nos lançamentos da Disney no país, a Edição Diamante lançada em 2014 foi redublada com a mesma equipe que versou a sequência de 2003. A clássica dublagem da Rio Som se perde na adequação à linguagem e ao conceito contemporâneo de dublagem, porém, para o público antigo cuja memória afetiva é oriunda da versão anterior, é possível encontrá-la em duas edições em DVD lançada em 2000 e 2007.

  • Crítica | Zootopia: Essa Cidade é o Bicho

    Crítica | Zootopia: Essa Cidade é o Bicho

    Zootopia - poster

    “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é se tornar opressor”. Esta frase do educador Paulo Freire rege boa parte do contexto de Zootopia, novo filme da Disney Studios. Adaptada ao contexto do mundo governado por animais da bela animação, é dito: “O sonho da presa é se tornar predador”. Isso dá a dimensão das ousadias tomadas pelo estúdio na concepção de seu novo filme, ao falar sobre as relações entre pessoas de origens diferentes, sobre o não determinismo genético, anti-especismo e a necessidade de cooperação entre seres distintos. Tudo isso com a clara intenção de fugir do clichê básico de que é possível ser tudo aquilo que se quer ser. Não é, a vida traz reviravoltas, mas é possível tomar seu destino nas mãos quando a a oportunidade surge.

    Na animação, a empolgada coelhinha Judy Hopps (Muito bem dublada por Mônica Iozzi) sonha em ser a primeira policial coelha da linda e cosmopolita Zootopia, uma cidade onde seus sonhos podem se realizar. Lá sofre com o preconceito contra sua espécie, oprimida pelo sistema que insiste em rebaixá-la independente de seus méritos. Na cidade ela conhece a raposa Nick Wilde (Muito bem dublado por Rodrigo Lombardi), um típico representante daquele personagem que apresenta um potencial imenso, mas acaba frustrando suas oportunidades por conta de uma visão confusa da vida. Eles se veem unidos para a resolução de uma série de crimes de desaparecimento, e a partir disso criam laços de amizade e troca de experiências.

    A animação sofre com algumas pressas na resolução de alguns conflitos menores, mas tem uma coragem que a coloca como superior: ter uma trama realmente importante, e não apenas a burocracia das histórias típicas que servem apenas como escada para as lições do filme. O mistério do filme é realmente um mistério, te leva a desconfiar de vários personagens passearem por dentro da trama de maneira natural.

    A profundidade dos personagens é realmente o ponto alto de Zootopia. Indo além do bom mocismo típico, diversas cenas são montadas de forma a mostrar que uma boa pessoa ou animal, de mente recheada com boas intenções, pode também ser a cara do preconceito, e que o segredo pra modificar um pouco o mundo é apontar o dedo pra si antes de tudo, pois o verdadeiro rosto do fascismo cotidiano não é uma caricatura de ditador, mas as diversas pequenas ações que fomentam a opressão no outro. Não é fácil, e muitas vezes confuso, afinal “um coelho pode chamar o outro de fofinho, outros animais não”.

    As lições aqui não são morais, mas sim éticas. A moral, algo amplamente distribuído pelos contos de fadas e fábulas, é algo muito mais dogmático e que te obriga a ser de uma tal forma através do castigo e da punição, numa espécie de karma ideológico. Ética, por outro lado, trabalha o tipo de mundo em que se escolhe viver; trabalha convivência e constante diálogo, bem como cotidianas modificações sobre o que é a realidade que nos cerca.

    Mais divertido que o enfadonho Frozen – Uma Aventura Congelante, e conceitualmente mais interessante e profundo que Operação Big Hero ou Detona Ralph, Zootopia estabelece-se como o melhor filme da recente safra de animações 3D da Disney ao ocupar-se de temas relevantes, evitando o antropomorfismo carente de significado que ocorre em animações recentes como em Madagascar, olhando para o racismo e demais formas de preconceito com um olhar otimista e palatável para o público infantil, mas sem diminuir a complexidade do tema.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Resenha | Bafo-de-Onça: 90 Anos

    Resenha | Bafo-de-Onça: 90 Anos

    Bafo - Vortex Cultural

    O mais antigo personagem Disney ainda em atividade acaba de completar 90 anos. Sim, João Bafo-de-Onça já estava por aí antes mesmo de um certo camundongo dar as caras nas telas do cinema. Inicialmente um animal parecido com um urso, Bafo foi transformado em um gato para melhor antagonizar o ratinho Mickey. De lá pra cá, mudou de personalidade várias vezes, sendo ora um criminoso incorrigível, ora um vizinho mal-humorado, ou até mesmo um amigo meio incompreendido, como no desenho A Casa do Mickey Mouse.

    Seguindo a linha das outras edições comemorativas – como Superpateta: 50 Anos – a Editora Abril lançou um especial de 300 páginas para celebrar o aniversário do vilão. O volume segue a mesma estrutura dos outros, dividido em três fases (Americana, Italiana e Brasileira), sem seguir uma rigorosa ordem cronológica. A importância histórica dessas hqs para o personagem parece ter sido o principal quesito na seleção, muito mais do que a qualidade das histórias ou a participação do Bafo nelas.

    A primeira história, de 1930, mostra a estreia do gatuno em uma história em quadrinhos. Publicada originalmente em formato de tiras, o leitor deve virar a edição no sentido horizontal para acompanhá-la. Essa história do Mickey foi escrita pelo próprio Walt Disney – embora o roteiro tenha sido finalizado pelo talentoso Floyd Gottfredson, que também ficou responsável pelos desenhos. É uma história ainda seminal, em que Bafo não passa de um capanga do vilão principal, e muito do que viria a ser as personalidades de Mickey e Minnie ainda estava sendo desenvolvida. Os personagens moram numa área pouco urbanizada, e vemos o cenário rural bastante presente, com seus elementos típicos ao fundo. A história gira em torno de uma herança que Minnie ganhou de um velho tio, embora a namoradinha do Mickey quase não tenha falas ou ações relevantes. O tom é de aventura, e o camundongo ainda mantém algumas características que sumiram com o tempo, sendo divididas aos poucos com outros personagens (ele se irrita fácil como o Pato Donald e se atrapalha como o Pateta). A história que vem depois mostra mais a personalidade do Bafo-de-Onça, que nessa época ainda tinha uma perna de pau. Nela, Bafo é o “homem da carrocinha” que persegue Pluto. Em seguida temos a primeira história de Carl Barks na qual o Bafo faz uma aparição, já com a perna “restaurada”. É basicamente uma história do Donald, e Bafo aparece muito pouco, embora seja essencial mais pro fim. A fase americana encerra com três histórias do Mickey, nas quais, além de ter maior relevância, Bafo apresenta a personalidade que iria consagrá-lo no quadrinhos: um verdadeiro e perigoso bandido.

    Na fase italiana, João Bafo-de-Onça ganha uma importância maior nas histórias. Não apenas o bandidão unidimensional, mas um personagem mais complexo e de personalidade maleável. Em terras italianas ele ganha uma “famiglia”, com direito a uma noiva (Tudinha) e sobrinhos terríveis (Bafito e Bafildo). O Bafo italiano ainda é um mau-caráter, mas se permite fazer uma macarronada na casa do Mickey e almoçar em sua mesa enquanto conta a história de seu tio-avô. Ou ainda, confia no camundongo para cuidar de seus sobrinhos enquanto cumpre pena na prisão. Claro que, no fim, sua verdadeira face vem à tona. Mas é interessante a forma como ela é construída ao longo das histórias. Vale lembrar que os autores italianos são mais propensos a criar novos personagens. Nas histórias dessa fase selecionadas para essa edição, não aparece o Pateta como “fiel escudeiro” e sim dois personagens menores. Atomino Bip Bip (um ser de outra dimensão) ajuda o Mickey na história de 1960 “O colar Quirikawa”, na qual a noiva Tudinha faz sua estreia. Já na história mais recente “A Ilha Nefausta” (de 2004, escrita pelo renomado Casty e desenhada por Giorgio Cavazzano), o companheiro de aventuras é Brutus, um corvo filho adotivo do Amadeu. Brutus é um personagem pouco conhecido do grande público, principalmente por ter sido traduzido em várias histórias nacionais erroneamente com o nome de seu pai. Essa é, de longe, a melhor história da edição.

    Já a fase brasileira deixa muito a desejar. Embora mostre a primeira vez que Bafo é desenhado por um artista brasileiro (Jorge Kato, pioneiro dos quadrinhos Disney brazucas), as histórias são rasas e superficiais. Mickey e Pateta contracenam com Zé Carioca em duas histórias bastante insossas, com roteiros ingênuos mesmo para a época (1961). As duas outras histórias dessa fase são melhores e realmente engraçadas, embora mais curtas. São da década de 1980, quando os quadrinhos Disney no Brasil tinham uma produção de excelente qualidade. Morcego Vermelho e Superpateta contracenam com o Bafo, com aquele humor brasileiro que Gérson L.B. Teixeira e Verci de Mello combinavam muito bem! Mas é pouco, comparado às mais de 260 páginas dedicadas aos autores americanos e italianos.

    Se levarmos em consideração que essa é uma edição dedicada a um personagem específico, podemos dizer que na maioria das histórias ele não foi lá muito relevante. Embora contenha boas histórias, o homenageado aparece muito pouco na primeira metade do volume, ganhando status de co-protagonista em apenas uma (A Ilha Nefausta). Na história de Barks, por exemplo, Bafo aparece em apenas nove dos cento e sessenta e cinco quadros! O material extra, com textos e fotos raras, é bem interessante. Mas não chega a ser uma edição tão boa quanto suas antecessoras.

    pietro gambadilegno

  • Crítica | O Bom Dinossauro

    Crítica | O Bom Dinossauro

    O Bom Dinossauro - poster

    Em espaço normalmente dedicado às novas animações do estúdio Disney, O Bom Dinossauro foge à regra de lançamentos anteriores como Operação Big Hero, Frozen – Uma Aventura Congelante e Detona Ralph promovendo mais um filme do estúdio Pixar após seis meses do lançamento de Divertida Mente.

    Mesmo sendo um produto inédito após o grande sucesso da animação anterior e carregando o selo de qualidade da Pixar, o filme parece ecoar em argumentos anteriores, tanto da própria casa quanto de estúdios concorrentes. Em 2000, a Disney lançava a animação mais cara da época, Dinossauro, um gasto desproporcional à recepção morna da crítica. Dois anos depois, a 20th Century Fox lançava Era do Gelo em mais um retorno ao período jurássico. Recentemente, a Dreamworks realizou o mesmo em Os Croods, desgastando o tema pela repetição.

    A trama subverte a extinção dos dinossauros, desenvolvendo-os uma evolução que os fazem dominante no planeta. Arlo é um dinossauro adolescente, caçula da família, vivendo o difícil período de auto-conhecimento e representação familiar. Após uma tempestade que o leva para longe de casa, o dinossauro deve demonstrar sua coragem ao retornar para seu lar. No caminho, conhece o jovem humano, Spot.

    A narrativa se centra nestes dois personagens e na jornada de retorno ao seu habitat, transformando a trajetória no amadurecimento do dinossauro e no aprofundamento da relação com o garoto selvagem, o espaço para desenvolver os temas comuns de uma animação voltada para a família. Boa parte da história situa-se somente com a dupla em cena. Considerando que a parte humanoide não possui fala, a trilha sonora serve como apoio para nutrir os diálogos e a falta de ação, incorporando uma musicalidade que intenta ser selvagem, trabalhando-a a favor da história. Um recurso que não deixa de se aproximar da ousadia de Wall-E, demonstrando novamente a repetição de estilos narrativos além da trama.

    Desde o anúncio do longa-metragem, a produção passou por modificações, intensificando uma incoerência interna no estúdio. Inicialmente, Bob Peterson de Up – Altas Aventuras estava a cargo da direção. Em 2013, a Pixar considerou vagarosa a continuidade de seu trabalho, promovendo Peter Sohn, da equipe técnica de Os Incríveis e Procurando Nemo, ao cargo. Embora o argumento principal tenha se mantido, a história foi remodelada e talvez nestas modificações o roteiro de Peter Sohn, Erik Benson, Meg LeFauve, Kelsey MannBob Peterson se tornou plano ao extremo, distanciando-se do roteiro em camadas coerente com a tradição desenvolvida pela parceria Disney / Pixar.

    Nesta estrutura simples, a aventura é a tônica em uma história linear com poucos momentos de emoção – eclodindo em um desfecho evidente e repetido das citadas tramas anteriores – e quase sem nenhum riso. A animação cresce em comparação com anos anteriores do estúdio, porém novamente se espelha nos avanços dos estúdios concorrentes que também são capazes de produzir bons produtos plásticos, mesmo de enredo pífio.

    O Bom Dinossauro peca pela repetição, provavelmente desequilibrada pelos desencontros de sua produção, resultando em um produto final distante do selo de qualidade fundamentado pelo estúdio, retrocedendo mais um passo à sombra de sua própria trajetória.

  • Resenha | Contos de Natal

    Resenha | Contos de Natal

    natal disney

    Histórias de natal nos quadrinhos Disney são quase que uma tradição anual. No Brasil, todo fim de ano vemos nas bancas um almanaque contendo coletâneas de histórias natalinas, o Natal de Ouro Disney. Edição esperada o ano todo pelos leitores nos anos 80 e 90, Natal de Ouro voltou a ser publicada há alguns anos, apostando em histórias mais recentes e algumas inéditas, produzidas na Itália. Além desta costumeira edição, os leitores de quadrinhos Disney no Brasil tiveram uma ótima surpresa nesse fim de ano: a Editora Abril publicou um volume em capa dura intitulado Contos de Natal por Carl Barks.

    Barks foi o criador de praticamente tudo que é legal nas histórias do Pato Donald, desde personagens secundários até a própria cidade de Patópolis. Esta edição apresenta, em ordem cronológica (em partes – mais sobre isso daqui a pouco) todas as histórias com tema natalino escrita pelo Homem dos Patos. São 35 histórias que vão desde épicos de mais de vinte páginas até gags de uma página só.

    As histórias de natal apresentadas nesse volume, além de serem clássicos indiscutíveis, carregam também grande valor histórico. A primeira delas, O Melhor Natal, apresenta a primeira aparição da Vovó Donalda. Além disso, mais duas histórias nos brindam com primeiras aparições: Natal nas Montanhas é a estreia de ninguém menos que Tio Patinhas Mac Patinhas (ou MacPato, para os saudosistas de Duck Tales). Aqui, Patinhas é um velho sovina e rabugento que odeia o natal e é praticamente o vilão da história. Sua personalidade ainda não estava definida – dizem que Barks não tinha planos de usá-lo em outras histórias.

    O avarento Tio Patinhas, em sua primeira aparição.

    O velho avarento co-estrela várias histórias, e rouba a cena em quase todas elas. O Patinhas de Barks não é tão avarento quanto era a princípio, e para ganhar a atenção de seus sobrinhos-netos não pensa duas vezes antes de esbanjar! Se em uma história ele aprende a valorizar o natal e a família, parece que na outra ele simplesmente esqueceu-se de tudo, e em outra se mostra muito mais mão aberta do que estamos acostumados. Nas últimas histórias, porém, podemos ver um Tio Patinhas muito mais próximo da figura que conhecemos: ainda um pão-duro, mas com bom coração!

    Em A Visita do Primo Gastão vemos o surgimento do ganso sortudo que não gosta de trabalhar. Gastão vive à revelia da própria sorte, e aparece mais algumas vezes no volume, sempre rivalizando com Donald e se dando bem no fim das contas. Sua personalidade não muda tanto quanto a do Tio Patinhas.

    A maioria das histórias parece girar em torno de um modelo: Donald enfrenta alguma dificuldade para comemorar o natal, inventa um plano, o plano dá errado mas no final tudo fica bem. Claro que nem tudo segue essa fórmula, e essa é a graça. Podemos ver os patos em um farol distante da cidade, em um submarino no meio do oceano, em uma ilha deserta ou simplesmente nos arredores de Patópolis. Barks pode contar uma excelente história, seja qual for o contexto ou cenário escolhido para tal.

    A figura do Papai Noel é algo bastante curiosa. Aparentemente, ele existe e todos concordam com isso – inclusive o próprio Bom Velhinho aparece em duas histórias. Porém, ainda assim, é preciso comprar os presentes para os meninos ou colocar a cartinha deles no correio a tempo. Aparentemente, existe uma diferença entre os presentes dados pelo Noel e os recebidos das mãos de seu próprios familiares. O que importa, mais do que tudo, é uma boa ceia em família, com peru assado!

    Barks não era lá um grande entusiasta da tradição natalina em sua vida pessoal, mas conseguia com maestria capturar as angústias, as ambições, os desejos e os mais diversos sentimentos que o feriado cristão gera nas pessoas, extrapolando para as páginas em uma excelente caricatura do Natal.

    Das histórias publicadas, apenas as duas últimas não estão em ordem cronológica. Noite Feliz, penúltima história, havia sido escrita e desenhada nos anos 60, mas foi vetada devido a um alto teor de violência para os quadrinhos Disney americanos na época (Donald é torturado com choques elétricos por seu vizinho Silva). Essa história foi publicada pela primeira vez duas décadas depois, na Holanda. Isso explica a diferença do traço dos personagens, com pescoços e bicos mais longos, como nas primeiras histórias. Essa é a única trama em que fica evidente o caráter cristão do feriado, com Donald cantando a música título, mais devido à tradução da versão brasileira do que uma vontade do próprio autor, que preferia deixar questões religiosas de lado.

    A última história não foi escrita por Barks, apenas desenhada a lápis. É a reprodução das páginas de um livro que já foi publicado no brasil três vezes, em diferentes formatos (diferente do que aparece creditado no índice, onde diz que foi publicada apenas uma vez). O velho conto Um Conto de Natal, de Charles Dickens, é mais uma vez reencenado pelo “Tio Scrooge” da Disney.

    Contos de Natal por Carl Barks é uma excelente edição, não trata o feriado de forma maçante e é garantia de boa diversão. O formato de capa dura, 400 páginas e miolo em couché é excelente, embora um pouco menor do que o apresentado em A Saga do Tio Patinhas e Os 80 Anos do Pato Donald. Ao leitor e fã das aventuras barksianas, resta torcer para que a Abril republique sua obra completa em um modelo parecido.

  • Crítica | Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada é Impossível

    Crítica | Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada é Impossível

    Tomorrowland - poster br

    A ficção científica como narrativa especulativa atravessa reflexões contemporâneas como base para projetar o futuro. No período da Segunda Guerra Mundial, obras distópicas como 1984, de George Orwell, e Fahrenheit 451 de Ray Bradbury focavam em um futuro totalitário e na completa ausência do indivíduo. O estudo da Cosmologia através dos tempos transformou seres de outro planeta em prováveis inimigos para estabelecer uma análise da evolução humana em várias obras, como O Jogo do Exterminador de Orson Scott Card e Contato de Carl Sagan.

    Tais cenários são utilizados frequentemente em narrativas como o futuro totalitário presente nos juvenis Jogos Vorazes ou na saga Divergente. São tendências que surgem como reflexo de cada tempo, conforme o contexto dos autores.

    Com este argumento em voga, é perceptível um crescimento de conceitos que questionam o futuro da Terra e suas transformações climáticas devido a ação humana. No cinema-catástrofe, o hiperbólico Roland Emmerich explorou o assunto em 2012 e, mais próximo do cenário de ficção científica, Danny Boyle dirigiu o eficiente Sunshine – Alerta Solar. Bem como Interstellar de Christopher Nolan também discutiu a sobrevivência da espécie à procura de outros habitats. A destruição futura do planeta também é tema de Tomorrowland – Um Lugar Onde Nada é Impossível, produção dirigida por Brad Bird em sua segunda incursão fora da animação, e obra cuja bilheteria tem sido aquém da esperada pela Walt Disney Pictures. Estrelado por George Clooney, o projeto de Bird, que também assina o roteiro ao lado de Damon Lindelof e Jeff Jensen, era aguardado com expectativa e, diante de uma história simples, e a esperança de uma grande obra de ficção científica foi deixada de lado.

    Grande parte da ficção científica trabalha com duas histórias dentro de sua narrativa, projetando um futuro provável para analisar o próprio ser humano. Muitas tramas são metáforas simbólicas para reflexões profundas e metafísicas de nossa própria evolução. A necessidade de produzir um filme familiar gerou um desafio natural para os roteiristas que precisavam equilibrar uma boa trama sem perder o escopo reflexivo. A solução foi transformar a história em uma aventura semelhante às da década de oitenta, evocando personagens juvenis como centro e lhes dando o poder para transformar sua trajetória, mantendo a fantasia dentro do enredo.

    Na década de 60, o pequeno Frank Walker é um inventor prodígio que participa de uma feira de invenções com um protótipo de um propulsor a jato. Mesmo o aparelho não empolgando Nix, um dos jurados do local, sua filha Athena confia na inteligência do garoto e convida-o para embarcar em uma aventura em uma cidade situada no mesmo espaço que a Terra, mas em outra dimensão. Habitado por cientistas, professores e intelectuais em geral, Tomorrowland é composto somente por mentes pensantes que desejam um futuro melhor sem os vícios do planeta Terra.

    A origem do garoto é apenas um preâmbulo para equiparar a história de Case Newton, uma adolescente que, como também o jovem Walker, acreditava ser capaz de modificar o mundo ao seu redor com a potência da imaginação e criação inventiva. Convocadas pela mesma Athena, as personagens devem salvar o planeta de uma iminente catástrofe.

    A aventura de fantasia é definida em um logo primeiro ato com uma hora de duração, firmando a parceria entre Casey e um velho Walker, interpretado pelo sempre galã George Clooney. O longo ato inicial evidencia a intenção de evocar a narrativa de outras décadas, tanto pela condução mais lenta como também na evocação de um universo inocente, conduzido por uma pureza juvenil. Ao contrário de obras como Os Goonies e E. T. – O Extraterestre a presença deste elemento puro não parece natural, mas inserida no contexto para ampliar o público e a bilheteria.

    Nestes dois exemplos de produções oitentistas, entre outras que poderiam ser citadas, os dramas envolvidos em cena eram densos, apesar da história simples. Principalmente, devido a uma época em que não havia amenidades nos conflitos em histórias infantis. Personagens lidavam com a morte e a perda como adultos também lidam com tais situações. Compondo sua base apenas com cores vibrantes, Tomorrowland evita, por consequência, um conflito, nem que seja o tradicional embate de mocinhos e vilões.

    A Disney vem tentando modificar o paradigma de suas histórias mas ainda não encontra uma maneira adequada de acrescentar novas camadas a sua outrora simplicidade bem equilibrada. Vê-se uma tendência em trabalhar argumentos em pares, utilizando em tramas diferentes as mesmas soluções narrativas. Assim como Frozen – Uma Aventura Congelante e Malévola compartilhavam o mesmo efeito moralizante do amor fraternal, essa produção se assemelha com o futuro colorido de Operação Big Hero: um local evoluído tecnologicamente em uma Terra desgastada em que personagens se destacam pelo caráter e a inocência – bem como a criatividade – e são inspiração para mudanças. Além da impressão de um reconhecimento prévio de um conflito visto em um recente filme do estúdio, a trajetória das personagens não parece urgente nem mesmo conflituosa como deveria, retirando qualquer potencial destrutivo do vilão interpretado por Hugh Laurie. Mesmo seu discurso megalomaníaco não parece ameaçador.

    Esteticamente a obra tem muita beleza, principalmente nos claros cenários do futuro e nos enquadramentos que demonstram um início de estilo na câmera de Bird. Porém, a falta de densidade retira a potência base de uma ficção científica projetada antecipadamente durante a divulgação do filme. Mesmo sendo apenas uma obra familiar entre aventura e fantasia, a intenção de ampliar o público impede que a história atinja com eficiência um desses gêneros e, diante disso, falta-lhe fôlego em qualquer uma de suas vertentes.

  • Resenha | Superpateta: 50 Anos

    Resenha | Superpateta: 50 Anos

    Super Pateta - Capa

    A Editora Abril continua sua série de especiais “50 Anos”, que já apresentou excelentes edições como Urtigão e Peninha. Dessa vez, a criação do Superpateta é comemorada em 300 páginas, nos mesmos moldes dos outros especiais. Não existe no formato nada de novo, pois é o que já vem sendo apresentado em edições como Disney Big: capa cartonada, papel jornal, formatinho. Entretanto, o conteúdo e a seleção de histórias mostram-se mais importantes do que comumente vemos nas hqs da linha Disney no país.

    Assim como os dois últimos especiais de 50 anos, essa edição é dividida por “fases”, sendo elas Americana, Brasileira e Italiana, novamente. Na Fase Americana, temos três histórias de origem, publicadas em ordem cronológica. A primeira trata-se de uma aventura comum do Mickey contra o vilão Mancha Negra no Velho Oeste, e Pateta acredita ter adquirido super-poderes ao beber um combustível do Professor Pardal por engano. Essa história é bem divertida, e pode ser considerada “normal” dentro do universo do camundongo detetive. A segunda história mostra o Pateta com uma capa inventada pelo Pardal que lhe concedia seus poderes, e pode até ser considerada uma continuação da anterior – embora não seja oficialmente. Já a terceira origem é a considerada “canônica”, pois mostra o Pateta comendo seus famosos “superamendoins“. Aqui surgem elementos que viriam a ser marca registrada do herói nos anos posteriores, como uma identidade secreta – Pateta vive em sua casa simplória e tem a certeza de que ninguém acreditaria se ele assumisse seu alter-ego. Seus incríveis poderes – os mesmos do Superman, diga-se de passagem – podem desaparecer a qualquer momento, ao passar o efeito do superamendoim. Essa fraqueza do herói permite que o roteiro seja bem desenvolvido, gerando situações cômicas e alguns problemas que Pateta deve resolver sozinho. Todos esses elementos seriam explorados nas histórias posteriores, portanto essa é a “verdadeira” origem do personagem.

    A partir de então, podemos considerar que Superpateta e o Pateta comum são dois personagens distintos. Isso porque, nas histórias do Mickey da época, os elementos super-heróicos são ignorados, talvez para que Pateta continuasse a ser um side-kick do rato mais famoso do mundo, ao invés de personagem principal. Da mesma forma que Donald não é o Superpato em todas as histórias, Superpateta faz parte desse universo onde quase todos os personagens principais da Disney tem uma contraparte heroica. Vemos então, na Fase Brasileira, o herói se juntar ao Clube dos Heróis. Superpato, Superpata, Morcego Vermelho, Borboleta Púrpura, Vespa Vermelha e Super Gilberto (o sobrinho gênio do Pateta) formam uma Liga da Justiça disneyana, além do encontro histórico com o Morcego Verde no Rio de Janeiro. As histórias brasileiras tem um tipo de humor mais centralizado e costumam ignorar a localidade onde se passam. O primeiro encontro do personagem com Zé Carioca, por exemplo, não deixa claro onde a história se passa. Isso pode ser entendido como algo comum nas histórias brasileiras da época, que assumiam Mouseton e Duck Burg como uma só cidade: Patópolis. Era comum, portanto, que o mesmo Coronel Cintra das histórias do Mickey pedisse ajuda ao Morcego Vermelho, Superpato ou Superpateta, bem como encontros com o Zé Carioca eram frequentes.

    A Fase Italiana conta com três histórias, sendo a primeira aventura do Superpateta produzida na Itália, uma história com a Bruxa Vanda e uma inédita no Brasil, a última produzida até agora. Os desenhos são mais exagerados e o humor mais escrachado, mas os artistas italianos expandem o universo do personagem, ampliando uma característica esquecida por outros autores: o ceticismo. Nessas histórias, o comedor de superamendoins não acredita em magia e superstições, contrariando o Pateta supersticioso de antigas revistas Disney.

    Para um personagem que surgiu como paródia às histórias de super-heróis, Superpateta cresceu e envelheceu razoavelmente bem. As histórias mais atuais são menos ingênuas, com um toque de ficção científica, e os roteiristas parecem mais preocupados em criar piadas originais e um background melhor desenvolvido do que parodiar quadrinhos consagrados. Para além das histórias em quadrinhos, Superpateta já teve uma memorável aparição no desenho animado O Point do Mickey, onde surpreendentemente é bastante fiel ao original, e bem engraçado também! Recentemente, também apareceu na série A Casa do Mickey Mouse, mas em uma versão mais infantil e de acordo com o propósito da animação.

    Superpateta  50 Anos é um prato cheio para os fãs do personagem e um bom tira-gosto para quem não o conhece ainda. Um tira-gosto quase tão bom quanto superamendoins!

     super pateta

  • Crítica | Cinderela (2015)

    Crítica | Cinderela (2015)

    cind

    E viveram felizes para sempre (Ninguém precisa saber o que vem depois, porque o depois existe tanto quanto Branca de Neve e Aladdin). Porque viver nas “delícias da incerteza” para sempre é o melhor ponto final que um filme poderia ter, sendo que, mesmo a um esquizofrênico, a vida não acolhe infinitos. Mas no cinema, num livro, na arte, querer saber o depois é demais, não interessa. Perde-se a elegância, e o sonho já começa a virar real. Perde-se a graça, indo embora o que faz do sonho um sonho – nada mais, nada menos. E sabe quando você assiste a um filme e dois minutos depois do início você sabe perfeitamente como tudo vai ser? Essa obviedade de sentidos é o grande trunfo de Cinderela, a melhor e mais serena releitura do filme que salvou os estúdios Disney em 1950, fato. Um bom exercício de interpretação é assistir a esse encantador manifesto de Kenneth Branagh e emendar com a versão Romero Britto de Alice, de Tim Burton. O que há de diferente e qual proposta (intenção) combina e enriquece mais a abordagem (realização)? É tudo apenas uma questão de estilo e gosto? Perguntas que convido o leitor a responder.

    Um manifesto a favor do que de melhor o Cinema pode oferecer a um material caído no colo da cultura popular – a jovem borralheira de madrasta má, blábláblá –, e que por isso não carece de cópia ou desconstrução da mitologia original. Um manifesto pelo direito de dar continuidade à magia sem vomitar regras, e principalmente, de seduzir o público pelo resgate dessa magia em tempos tão realistas quanto o nosso. Choram as rosas, poesia é o que não falta, e cor, clareza nas ideias e olhos nos olhos, dança e sorrisos, lágrimas e trilha sonora num filme-spoiler assumido e orgulhoso por ser assim: deliciosamente previsível. Um filme renascentista, no melhor uso do termo, em que a harmonia entre os conflitos é inquebrável, como nas peças de Shakespeare, e o luto do erudito é incabível como nos poemas de Florbela.

    Tudo parece tão frágil e tão quebradiço que o respeito e admiração ao universo da gata borralheira são inevitáveis. A própria construção do caráter amargo da madrasta gira em torno da magia: é simplesmente uma mulher enterrada numa realidade burguesa de aparências e que não pertence ao mundo de emoções puras de nossa princesa, num belíssimo jogo de figurinos que parecem disputar na tela, senão pelo ótimo equilíbrio presente entre os elementos visuais, a quem isso possa interessar, qual o mais belo. O cineasta e romântico Branagh (o professor Lockhart do segundo Harry Potter) faz de Cinderela uma alternativa dialética à celebração vazia do novo, e uma ovação declarada às glórias indiferentes às mudanças do tempo. A história é contada como se fosse da primeira vez, exaltando e promovendo mitologias na pegada mais deslumbrante e direta possível, com o gato da malvada perseguindo os ratos tratados com amor pelo coração inocente, por exemplo, numa clara metáfora dos abusos a ser cometidos ao longo do conto.

    Entre cenas criativas (a transformação da abóbora em carruagem e da carruagem em abóbora são extraordinárias) e a preservação da elegância da história refletida na fluidez dos planos, a Disney finalmente combina, aqui, a evolução do Cinema com a necessidade do espetáculo para assegurar uma bilheteria alta, sem esquecer-se do seu próprio estilo de criação épica. A vontade não era essa, mas a fábula humilha quaisquer outras versões recentes do lendário estúdio americano, entre juízos de fato e valores que mais remetem a Princesa Kaguya, animação sublime dos estúdios Ghibli, de Hayao Miyazaki.

    Era uma vez uma comparação válida, tamanho o esmero concedido e júbilos derivados, inclusive, de atores inspirados em condições que favorecem suas presenças. E assim como a antiga releitura francesa de Jean Cocteau para o clássico A Bela e a Fera de 1946, em 2015, com Cinderela a nos encantar, temos uma obra ciente do que pode ser e do que não precisa ser, e que por isso se compromete a honrar o passado sem deixar de conseguir novas opções, para que as visões e os vastos compromissos da arte possam ser, felizmente para sempre, recriados a partir de suas fundações.

  • Crítica | Caçada Mortal

    Crítica | Caçada Mortal

    Caçada Mortal - Poster

    Aos 60 anos de idade, Liam Neeson vive um novo momento da carreira. Após diversas grandes interpretações em papéis dramáticos – incluindo o que lhe rendeu o Oscar de Melhor Ator, em A Lista de Schindler –, transformou-se em um ator de ação em razão da sempre competente performance, do carisma e do porte de 1,93 metros.

    Desde 2005, o irlandês escolheu projetos de filmes de ação, como Busca Implacável, Desconhecido e Sem Escalas, nos quais usa o mesmo estilo de personagem com eficiência suficiente para agradar aos fãs do gênero. Nesta nova produção, a ação fica em segundo plano, dando lugar a uma narrativa policial baseada em um dos personagens criados por Lawrence Block.

    Detetive particular não licenciado, o ex-policial Mathew Scrudder é a criação mais famosa do autor, sendo estrela de 17 livros até agora e, nos cinemas, também foi interpretada por Jeff Bridges em 1986. Caçada Mortal, de Scott Frank, adapta a décima obra com a personagem, um alcoólatra em recuperação que, após uma crise de consciência, abandona a corporação. A trama roteirizada e dirigida por Scott Frank (escritor de grandes obras como Irresistível Paixão e O Nome do Jogo, e tragédias como Wolverine: Imortal) é bem adaptada no estilo narrativo de Block. A prosa seca, sem muitos floreios, mantém a eficácia de sua personagem e, no filme, este recurso é apresentado ao longo de uma trama que não exagera em reviravoltas e ganchos, como diversas investigações cinematográficas atuais.

    A primeira cena, que se passa em 1991, apresenta o passado de Scrudder, aproveitando cada segundo exibido em tela. Simples e rápido, o momento serve para que o público compreenda o passado turbulento do ex-policial. A composição do detetive não reinventa nenhum padrão, mas segue o estereótipo tradicional do homem com um passado negro vivendo um presente difícil entre a negação e certa ironia contida. Uma figura niilista que, mesmo sendo um bom moço, parece não se importar com ninguém. O detetive é contatado por um traficante de drogas para investigar os responsáveis que sequestraram e mataram sua esposa. Uma morte que se revela parte de uma série maior de assassinatos.

    O assassinato e a investigação são os fios condutores da trama. Os elementos típicos de um policial herói, centrados em Scrudder e em sua mudança pós-álcool, fazem parte da concepção do gênero. O suspense carrega boas inferências de crueldade e mantém-se bem durante a trama. Trata-se de um enredo tradicional, portanto nada mais natural que o crime em si seja apresentado de maneira que choque o público inicialmente, para aliviá-lo na resolução final em que, na medida do possível, pune criminosos.

    O bom suspense não se consagra por completo devido à presença de um personagem juvenil que descaracteriza a intenção da história. Por pouco, o jovem não cai na armadilha de ser um gancho para a inevitável cena em que ele tenta algo heroico e se torna um fardo que deve ser salvo pelo personagem central. O recurso que tenta humanizar a figura fria do detetive quase é responsável por destruir a história e o suspense desenvolvidos em cena. Há muitos policiais da ficção que trabalham com parceiros esporádicos e uma equipe informal, porém, dentro da trama, parece inverossímil que o ex-policial queira envolver um adolescente em uma trama delicada.

    A repetição de personagens semelhantes em produções próximas – o personagem de Sem Escalas também era um ex-policial alcoólatra, por exemplo – retira parte da identificação literária de Mathew Scrudder. Em compensação, Neeson demonstra, além da competência, se divertir nesta nova fase da carreira, e poderia representar a personagem em outras futuras adaptações. Afinal, aos 76 anos, Lawrence Block não para de escrever. Como um bêbado sorvendo sua bebida.

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  • Resenha | Peninha 50 Anos

    Resenha | Peninha 50 Anos

    Peninha - 50 anos

    O mais versátil personagem Disney dos quadrinhos ganha uma edição comemorativa no seu aniversário de 50 anos de criação. Peninha, o primo estabanado do Pato Donald, surgiu nas páginas da revista italiana Topolino, em 1964 – dois anos antes de estrear em terras ianques. Criado por Dick Kinney e Al Hubbard, suas histórias se tornaram populares na Europa e na América Latina, sendo pouco conhecidas nos Estados Unidos. No Brasil, ganhou popularidade nas décadas de 1970 e 1980, quando muito do que conhecemos sobre o pato cuca-fresca foi criado nos estúdios da Editora Abril. Seu sobrinho endiabrado Biquinho, seu alter-ego Morcego Vermelho e suas inúmeras encarnações nas páginas do jornal A Patada (Pena Kid, Pena Submarino, Pena das Selvas, entre outros), são todas criações tupiniquins, e algumas continuam até hoje aparecendo em histórias italianas.

    Essa edição toma emprestada a estrutura de Urtigão 50 Anos, separando as histórias em três fases: Americana, Italiana e Brasileira. A Fase Americana conta com as histórias mais antigas do volume, sendo a maioria desenhada por Tony Strobl. Vemos aqui a conturbada gênese de Peninha, pois suas primeiras duas histórias se contradizem em termos de continuidade. Pura bobagem, claro, uma vez que continuidade não é lá um grande pré-requisito nos quadrinhos Disney. Peninha é apresentado como um beatnik, um reflexo da época em que foi criado, contrastando com seu primo Donald. Desleixado, não se preocupa com o dia de amanhã e vai vivendo no improviso, fazendo Donald passar por situações bastante inusitadas.

    A Fase Italiana mostra as histórias mais recentes do personagem, visto que essas ainda são produzidas por lá. É interessante notar que, nas histórias mais antigas, procuravam manter os traços característicos de Hubbard, enquanto nas mais recentes os artistas italianos tomaram muito mais liberdade, tanto no design do personagem quanto na narrativa. Peninha, sempre tagarela, protagoniza uma série em que sequer abre o bico para proferir uma palavra! São também dessa fase as gags de uma página só, com situações do cotidiano. Como na maioria das histórias italianas da família pato, o ritmo é acelerado e o visual exagerado, proporcionando umas boas risadas ao leitor.

    Mas a melhor parte é, com certeza, a Fase Brasileira. De primeiras histórias modestas, os criadores nacionais demonstram desenvolver uma intimidade sem igual com o personagem, proporcionando o melhor material dessa coletânea. Se os primeiros artistas emulavam o traço de Tony Strobl para o pato, aos poucos foi se criando uma identidade nacional bastante perceptível e com um alto nível de qualidade nos desenhos! Carlos Edgard Herrero e Irineu Soares Rodrigues traduzem em expressões corporais e faciais todas as características do Peninha.

    Nessa fase, surgem as criações de Peninha para a sessão de quadrinhos do jornal A Patada: Pena Kid, uma paródia dos cowboys de westerns com seu Cavalo de Pau; Pena das Selvas, uma versão bastante escrachada do Tarzan; Pena Gordon, paródia da ficção-científica pulp de Buck Rogers e Flash Gordon; Pena Submarino, versão patopolense do Príncipe Namor; Indiana Pena… Enfim, Peninha se encaixa em qualquer versão de qualquer personagem que fizesse sucesso no passado. Se nas primeiras histórias desse tipo o começo e final mostravam a prancheta de desenho do Peninha, com o tempo isso foi sendo deixado de lado para dar mais fluidez à história em si.

    A fase Brasileira toma metade das páginas dessa edição, mas não é de se estranhar. O volume de material nacional é bastante vasto, uma vez que Peninha chegou a ter uma série própria de revistas em quadrinhos, que contou com 56 edições quinzenais entre 1982 e 1984.

    Além dos heróis “inventados” por Peninha, vemos também duas histórias com seu alter-ego, o Morcego Vermelho, a primeira aparição de Biquinho e uma história de 1984 que comemorava os 20 anos do pato amalucado.

    Mais uma vez, fica nítido que os roteiristas e desenhistas da época não se importavam com continuidade. As duas primeiras histórias da fase Americana contam, de forma diferente, a primeira aparição do Peninha, sendo que Donald afirma em uma delas não ver seu primo desde que eram crianças. Já na última história, os dois cresceram juntos. Soma-se a isto a história de origem do Biquinho, que, segundo Peninha, é filho de sua irmã – o que contradiz a Árvore Genealógica da Família Pato, criada por Keno Don Rosa, que não faz nenhuma menção a essa suposta irmã. Mas esses detalhes não tiram a graça e o carisma do personagem, que se mantém firme nas publicações inéditas italianas e, no Brasil, sustenta-se em reedições de sua fase áurea.

    Peninha 50 Anos ainda apresenta três textos informativos no início de cada fase, escritos por Marcelo Alencar, que nos mostra algumas curiosidades dos bastidores da produção, além de depoimentos de dois artistas que trabalharam com o personagem, e uma ilustração inédita de Herrero feita especialmente para esse volume. Para fãs de HQs Disney, suas 300 páginas são um deleite de histórias divertidas e descompromissadas. Tal qual o personagem-título!

  • Resenha | Urtigão: 50 Anos

    Resenha | Urtigão: 50 Anos

    Urtigão - 50 Anos - capa

    Um dos personagens dos quadrinhos Disney mais queridos no Brasil, Urtigão Urtiga ganha uma edição especial de 300 páginas para comemorar seus 50 anos de criação. Criado como coadjuvante em uma história de Donald e Peninha de 1964, o velho Urtiga logo foi ganhando mais espaço até conquistar um gibi próprio por aqui, em meados de 1987. Essa edição traz uma amostra de três fases do montanhês esquentado, em histórias representativas de cada período.

    A primeira parte, chamada de Fase Americana, retrata a criação do personagem. Urtigão é um velho “hillbilly” que vive isolado na sua cabana nas montanhas, tendo por companhia apenas seu cão chamado Cão e sua espingarda pra afastar visitas indesejáveis. De temperamento explosivo e pavio curto, Urtigão (ou Hard Haid Moe, seu nome original) não pensava duas vezes antes de atirar em Donald e Peninha cada vez que a dupla cismava de atrapalhar seus afazeres – que consistiam, basicamente, em tirar uma soneca. A seleção de histórias para essa fase vai desde sua criação até 1970. Nessas sete histórias, Urtigão é ora um coadjuvante, ora o antagonista, e a maioria envolve os patos como repórteres do jornal “A Patada”.

    A segunda parte apresenta vinte histórias da Fase Brasileira, que vai de 1972 até meados de 1994. Nesse período, a editora Abril tinha perdido os gibis de Mauricio de Sousa para a editora Globo, e Urtigão ocupou o espaço deixado pelo gibi do Chico Bento com uma publicação quinzenal. Com histórias produzidas por brasileiros e para brasileiros (embora elas tenham sido publicadas no exterior também, principalmente na Itália), essa fase mostra o personagem como um matuto, um típico caipira do interior de São Paulo, Minas Gerais ou Goiás. Sua moradia, antes retratada como simplesmente nas “montanhas”, passa a ser no Brejo das Urtigas. Coadjuvantes são criados, e de um ermitão convicto, Urtigão passou a ser mais sociável, tendo inclusive uma companheira morando em sua cabana – a Firmina. Nessas histórias, o lado explosivo do personagem vai ficando de lado, dando espaço a uma espécie de Pedro Malasartes disneyano, um caboclo que apesar de ingênuo sempre se dá bem e passa a perna no povo da cidade. Aos poucos, o leitor até esquece sua origem estadunidense e o confunde com uma criação quase exclusivamente brasileira – ainda mais devido à sua interação com o papagaio Zé Carioca nas séries Urtigão in Rio e Zé no Brejo. A seleção de histórias deixou um pouco a desejar. Apesar de numerosas (nada menos que vinte histórias!) e, de certa forma até significativas, algumas são pouco inspiradas e outras são simplesmente sem graça.

    Por fim, temos a chamada Fase Italiana. Urtigão Urtiga se torna “Dinamite Bla” e volta à sua origem: um ermitão esquentado! Saem de cena Firmina, o Brejo das Urtigas e os coadjuvantes como Juca Piau, e volta o Morro do Cabeção (uma tradução livre para Cucuzzolo del Misantropo, em italiano), além da famigerada espingarda de cano duplo. Para representar essa fase foram selecionadas três histórias, sendo a primeira de 1977 e as outras de 2006 (retomada da produção de histórias do personagem após 12 anos) e 2011. Curiosamente, o personagem passa a usar sandálias ao invés de andar descalço, e as histórias são mais divertidas do que as da fase brasileira. Infelizmente, muito pouco dessa fase nos foi apresentado, deixando uma sensação de que poderiam ter diminuído um pouco a fase anterior (afinal, foram duas histórias inéditas e vinte e oito republicações!).

    Cada uma das três fases apresenta um texto de Marcelo Alencar que nos conta um pouco sobre a criação e desenvolvimento do personagem, além de curiosidades de bastidores.

    Enfim, é uma edição que não decepciona quem é fã de quadrinhos Disney, além de uma boa porta de entrada para quem ainda não conhece o personagem. E deixa no ar aquela vontade de procurar por mais histórias italianas do Urtigão, que vem sendo publicadas nas revistas Disney regulares no país.

  • Crítica | Walt nos Bastidores de Mary Poppins

    Crítica | Walt nos Bastidores de Mary Poppins

    saving mr banks

    Durante 20 anos, Walt Disney (Tom Hanks) tentou adquirir os direitos de Mary Poppins, da escritora australiana P.L. Travers (Emma Thompson), que sempre se recusou a vendê-los receando que Disney fizesse “um de seus desenhos bobos”. Entretanto, a crise financeira faz com que ela tenha que negociar. Desta forma, Travers viaja até os Estados Unidos e passa a trabalhar juntamente com a equipe escolhida por Walt Disney para que Mary Poppins chegue às telas. Minuciosa e com muita má vontade, ela começa a encontrar problemas de todo o tipo. Como o contrato lhe dá o direito de cancelar a cessão dos direitos caso não concorde com a adaptação, Disney e sua equipe precisam aceitar seus caprichos para que a produção saia do papel.

    O título nacional não poderia ser mais impreciso. Provavelmente no intuito de facilitar a vida da maioria dos espectadores que não faz ideia de quem seja Mr. Banks — personagem de Mary Poppins —, conseguiram errar duplamente ao rebatizar o filme. Primeiro porque Walt Disney não é o protagonista, como o título faz pensar; segundo porque não se passa nos bastidores de Mary Poppins, mas sim antes do início de sua produção, mais especificamente durante a escrita do roteiro adaptado. No entanto, esse é o menor dos problemas do filme.

    O excesso de licença poética é, sem dúvida, o maior problema. Ao contrário do que é mostrado, Disney e Travers nunca tiveram um relacionamento amigável. Na realidade se odiavam publicamente, não só antes, mas principalmente após o lançamento do filme — não, Travers não aprovou o resultado final, diferentemente do que o desfecho lacrimoso do filme quer fazer acreditar. Ela odiou o filme e se arrependeu pelo resto da vida por ter cedido os direitos a Disney.

    Tom Hanks encarna o papel de um senhor simpático porém muito diferente da realidade, já que Disney sempre foi conhecido por seu temperamento competitivo, quase hostil. Travers, reconhecidamente uma senhora de temperamento difícil, é retratada como uma solteirona ranzinza e “do contra”, bem menos amarga e intragável do que como definiam seus próprios familiares, e mais humanizada pela interpretação de Emma Thomson. Percebe-se aí o “efeito Disney” dos personagens, minimizando tanto os aspectos negativos de suas personalidades quanto o conflito entre dois temperamentos difíceis.

    As conversas entre Travers, o roteirista Don DaGradi (Bradley Whitford) e os músicos Richard e Robert Sherman (Jason Schwartzman e B.J. Novak) certamente não tiveram o mesmo tom divertido e quase gracioso mostrado no filme. Além disso, o roteiro quer induzir o espectador a acreditar que a intransigência de Travers quanto à cessão dos direitos não se devia às suas reservas quanto à padronização da indústria cinematográfica — a autora não queria que Mary Poppins fosse apenas mais um filme padrão Disney. Com uma quantidade excessiva — e irritante — de flashbacks, o roteiro insiste que sua intransigência tinha algo a ver com um trauma do passado. Os trechos da infância de Travers, que se alternam com sua estadia em Los Angeles, são por vezes confusos e comprometem a fluidez da narrativa, e parecem nitidamente escritos com a intenção de emocionar o público a cada dez minutos.

    Enfim, o filme serve mais como um lembrete de que Mary Poppins está prestes a comemorar 50 anos do que como uma obra comemorativa dessa data, já que essa nova produção não é nem marcante nem memorável.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | Walt Disney: O Triunfo da Imaginação Americana – Neal Gabler

    Resenha | Walt Disney: O Triunfo da Imaginação Americana – Neal Gabler

    Artista visionário e subversivo que revolucionou para sempre o entretenimento mundial, ao mesmo tempo um conservador reacionário e tradicional. A biografia de Walt Disney, escrita por Neal Gabler, nos apresenta a complexa figura de um dos maiores nomes do entretenimento de todos os tempos, senão o maior.

    O autor narra a história de vida do artista de forma linear desde seu nascimento, em 1901, em Chicago; passando pela infância pobre, mas alegre em Marceline no Missouri; voltando para Chicago e tendo uma adolescência difícil e cheia de privações, onde inclusive chegou, uma vez, a pegar comida do lixo; quando foi a Los Angeles e montou seu estúdio na Hyperion com o irmão Roy no meio dos anos 20, produzindo as Comédias de Alice e Oswald, o Coelho Sortudo; suas várias idas a Nova Iorque nos anos 30 passando pelas mãos de agentes inescrupulosos no início do sucesso do Mickey Mouse e das Silly Symphonies (Sinfonias Ingênuas); sua época mais criativa e visionária como artista nos primeiros longas metragens do estúdio, como Branca de Neve, Fantasia, Pinóquio, Dumbo e Bambi; o grande hiato da Segunda Guerra Mundial e a produção em massa de filmes de guerra; os bastidores do relacionamento com os canais de televisão; a abertura da Disneylândia em 1955; e a sua morte em um hospital de Los Angeles, em 1966.

    É difícil dissociar Walt Disney de sua criação mais famosa, Mickey Mouse; os dois inclusive estampam a capa brasileira do livro. Ao longo da biografia, o culto ao rato é bem discutido por Neal Gabler, que analisa o impacto do personagem na sociedade americana, tanto como herói subversivo, durante a depressão, quanto pelos produtos licenciados que vendeu (fenômeno iniciado com o Gato Félix alguns anos antes). De acordo com o autor, a personalidade anárquica dos primeiros curtas se encaixou no espírito difícil da época, e as adversidades que Mickey precisava enfrentar nos filmes o transformou em ícone de sobrevivência.


    Steamboat Willie (1928), o primeiro desenho do Mickey Mouse


    O revolucionário Skeleton Dance (1929)

    Não à toa a posterior domesticação do rato nos anos seguintes gerou duas curiosas criações: Pato Donald, para suprir a energia anárquica, e a dupla Pernalonga e Patolino do estúdio Warner Bros. Donald não teve o mesmo impacto que Mickey, e, nesta época, final dos anos 30, Disney perdia popularidade para os personagens do Merrie Melodies, uma das várias cópias de Silly Symphonies.

    Gabler também ressalta a importância dos cinco primeiros longas, os melhores segundo o autor, pois foram os que Walt Disney se envolveu diretamente: Branca de Neve e os Sete Anões (1937), Pinóquio (1940), Fantasia (1940), Dumbo (1941) e Bambi (1942). De acordo com Neal Gabler, a premissa dos filmes é a mesma: amadurecimento; eles dialogavam com a fase de realização profissional e pessoal de Walt na época.

    Branca de Neve foi a primeira animação longa metragem do cinema. Como eram pioneiros, os animadores foram evoluindo o processo de erro e acerto da época dentro da principal característica de Walt Disney: a busca pelo perfeccionismo. O filme poderia ter sido muito mais barato se houvesse maior planejamento e se Disney não interferisse no cronograma, mas ainda assim serviu de molde para os demais.

    Sua próxima ambição artística era Bambi, porém, para fazer da maneira que gostaria e imaginando o futuro da animação com maior realismo ao invés de estilizada e caracterizada, demorou mais para treinar os animadores. Enquanto isso, ele produziu Pinóquio e Dumbo em paralelo, até que resolveu transformar a Silly Symphony – Aprendiz de Feiticeiro em um projeto ambicioso no que veio a se tornar Fantasia, em parceria com o maestro Leopold Stokowski. Assim que lançou Dumbo, Walt teve que finalizar Bambi no meio da famosa greve de 1941, e, assim, em 1942, terminou sua fase mais criativa dentro da animação, segundo o autor.

    Acusado de ser racista por The Song of The South (1946) e antissemita pela criação do Mickey Mouse nos anos 30 ao associar ratos a judeus, Neal Gabler analisa Walt Disney mais como parte de uma geração branca e protestante com pouca ou nenhuma sensibilidade racial do que efetivamente racista e antissemita. Isso contribuiu para aumentar ainda mais a controvérsia em torno de si, deixando a sua personalidade muito mais distinta: como um artista subversivo criador dos primeiros desenhos como Steamboat Willie e Skeleton Dance se tornou um anticomunista e macartista dedo-duro? Como pode um visionário que concebeu o mundo do futuro EPCOT ser, ao mesmo tempo, um conservador em razão da domesticação que Mickey sofreu no final dos anos 30?

    O autor tenta responder a estas e outras perguntas desvendando a famosa greve que o estúdio sofreu em 1941. Como pode Walt Disney se sentir traído por seus funcionários que buscavam justas reivindicações mesmo após a imposição de um regime, o qual durou anos, de profundo desrespeito às mínimas condições dignas de trabalho?

    De acordo com o autor, Disney, por muitos anos, buscava construir uma utopia em volta de si, e, finalmente, quando a conseguiu por meio do estúdio da Hyperion produzindo seus filmes, sentiu que ela foi ameaçada ao ser boicotada pelos papéis que seus funcionários deveriam desempenhar. Ele é um artista lutador e visionário até o momento em que se concretiza sua utopia, mas se torna um conservador reacionário quando a protege de quem tenta destruí-la. Não à toa Walt Disney não se envolveu tanto com os filmes posteriores a Bambi, em 1942, passando pelo grande hiato dos filmes de guerra que invadiram o estúdio para que a produção não cessasse, sendo essa sua pior fase. O artista só voltou a ter paixão profissional anos depois com a inauguração da Disneylândia, em 1955, um sonho literalmente recriado.

    Se Walt Disney já havia mudado o entretenimento com Mickey Mouse elevando as possibilidades de licenciamento que o rato permitiu, a construção do parque temático misturando passado e futuro mudou novamente o conceito de entretenimento. Não somente as mídias convergiam agora com os longas e curtas metragens do estúdio como temas das atrações no parque, mas outra inovação trazida pela Disneylândia foi o próprio conceito de ambientação do local. A ideia de Walt era a imersão completa, e para isto ele precisava atingir duas ideias: o de isolar fisicamente o parque de qualquer contato externo; e o conceito arquitetônico que ficou conhecido como “disneyficação da realidade”, que seria a transformação física do tamanho de ruas, calçadas, bancos e parques que visam deixar o local com uma representação não tão realista. De acordo com Neal Gabler, a ideia dos parques foi uma tentativa de retorno ao saudosismo, mais precisamente ao da infância.

    Por incrível que possa parecer, Walt Disney não era rico como executivo de estúdio na época. Todo o dinheiro que ganhavam, os irmãos Walt e Roy reinvestiam no próprio estúdio para manter a alta qualidade das animações. O lucro gerado pelo licenciamento de produtos era pouco, e não havia como vender novamente o filme para outras mídias, algo que acontece hoje em dia. Isso mudou um pouco com a chegada da televisão e com as novas receitas dos filmes clássicos reexibidos, mas ainda assim a produção dos programas para a ABC era custosa.

    O dinheiro adquirido com a televisão proporcionou a construção da Disneylândia, e a receita do parque aliada à da TV viabilizaram o outro complexo de parques na Flórida: o Walt Disney World. Só posteriormente a Walt Disney Company cresceu e virou uma das maiores corporações midiáticas do mundo, não ironicamente muito depois da morte de seu mais famoso fundador, ajudando a consolidar seu nome na história.

    Outro trunfo da biografia é que o autor sempre apresenta um panorama da época narrada, criando assim uma rica ambientação em que tenta desvendar o motivo das escolhas de Walt diante de situações eventualmente difíceis. Por causa disso, Neal Gabler acaba indo e voltando algumas vezes na narrativa, podendo deixar um pouco confuso um leitor não muito atento. Outro grande acerto é a quantidade de fotos das mais variadas épocas, enriquecendo ainda mais o livro. As 700 páginas têm muita informação, o que requer um tempo maior de leitura que um romance do mesmo tamanho levaria, ainda mais se o leitor optar pela recomendação de ver e/ou rever os principais clássicos enquanto lê o livro.

    A tradução de Ana Maria Mandim é boa, ajuda no ritmo fluente do livro, apesar de conter algumas esquisitices, como “legendário” em vez de “lendário”, em partes da biografia.

    Ler sobre a controversa personalidade de Walt Disney não é somente tentar entender sua figura distinta, mas também olhar para a importante inovação que os curtas do Mickey e das Silly Symphonies trouxeram; reconhecer a importância de Branca de Neve e Os Sete Anões para a história do cinema; é desvendar o alcance do licenciamento de produtos que o fenômeno Mickey Mouse trouxe; é ver como um executivo de estúdio se tornou pioneiro ao se associar aos canais de televisão; é tentar descobrir o sucesso da Disneylândia e do complexo de parques na Flórida; e, principalmente, ver como o nome de alguém se tornou uma das maiores marcas registradas do século XX e, posteriormente, uma das maiores corporações midiáticas do planeta.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Frozen: Uma Aventura Congelante

    Crítica | Frozen: Uma Aventura Congelante

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    Baseado (levemente) no conto Snow Queen do bicentenário escritor dinamarquês Hans Christian Andersen – que escrevera outros muitos clássicos como O Patinho Feio, A Polegarzinha, A Roupa Nova do Rei e A Pequena SereiaFrozen Uma Aventura Congelante é mais um exemplar da retomada que a Disney fez com seus filmes de princesa, mas têm um algo a mais na fórmula já um tanto batida, pois seu roteiro leva os temas subalternos a diversão infantil um pouco mais a sério do que os seus primos.

    A história mostra uma dupla de irmãs, Elsa e Anna, que são muito amigas. A mais velha tem poderes elementais do gelo, o que faz com que a caçula se divirta horrores, até que em determinado momento, um descuido faz com que Anna se fira, e a futura rainha se afasta da própria irmã, temendo machucá-la ainda mais. Isso obviamente gera na moça uma carência pela falta de sua melhor amiga, agravada ainda mais pela solidão, Anna cresce – a partir daí é dublada por Kristen Bell – torna-se ingênua nas tratativas com as pessoas e necessita de contatos sociais, mas mesmo com a solidão que vivera, permanece otimista e propensa a resgatar a boa relação com Elsa, que por sua vez, torna-se mais e mais introspectiva e temerosa de mostrar suas habilidades.

    O receio de ser encarada como uma aberração – ou algo ainda pior – motiva Elsa a querer encurtar a cerimônia de sua coroação, mais uma vez mostrando seu temor em expor seus poderes. Com o decorrer dos fatos seu receio mostra-se correto, pois ao menor sinal de demonstração da sua mágica ela é inquirida como uma bruxa na Idade Média, um dos personagens (o mais patético visualmente, o Duke de Weselton) aponta o dedo em riste e é seguido por uma multidão que mal pensa, ignora a sua própria rainha em nome de um medo infundado. A perseguição impingida a nobre a faz se afastar de seu “mundo” mas também a faz experimentar a liberdade pela primeira vez em muito tempo, seu grito libertário é tocante.

    Como os clássicos Disney, este possui muitos números musicais, e qual não é a surpresa em perceber que estes são muito bem feitos, especialmente quando Elsa canta, interpretada pela atriz Indina Menzel de Rent e Glee. A atriz, com ótima voz e um excessivo carisma, consegue prender a atenção do público, mesmo quando ainda não tem o alívio cômico.

    A superfície gelada e os cristais de gelo fazem com que os efeitos especiais valham muito a pena, seu emprego não é exagerado, acrescenta muito a trama. A cadência e o ritmo são bem executados pelos diretores Chris Buck e Jennifer Lee. Os cenários, alvos, são grandiosos e muito belos. A escolha da paleta de cores é muitíssima acertada e a edição de som é competentíssima, se destacando e muito da maioria das animações.

    O diferencial de Frozen em comparação com o resto da patuleia é o seu tom, apesar de ser um filme infantil, ele traz uma mensagem digerível para o público adulto dando menos atenção a piadinhas de cunho mongoloide ao mesmo tempo em que desenvolve uma história que realmente prende a atenção de um observador mais seletivo, sem é claro descuidar dos infantes, o real público alvo da produção, mostrando imagens extremamente coloridas, personagens carismáticos e com um desfecho interessante para quem gosta do gênero. Não à toa é lembrada como uma das melhores, se não a melhor animação de 2013.

  • Crítica | Monstros S.A.

    Crítica | Monstros S.A.

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    Monstros S.A. (Monsters INC, EUA, 2001, Dir: Pete Docter) lançado dois anos após o último longa da Pixar, Toy Story 2 (Idem, EUA, 1999), foi talvez o filme que ajudou a mostrar para Hollywood que a era das grandes animações estava de volta, mas de uma forma diferente, agora computadorizada. Ou seja, era o tradicional se travestindo de novidade.

    Sinopse: Mike e Sully moram em Monstrópolis e são empregados da Monstros S.A., uma empresa que funciona a base de uma linha industrial automatizada que gera energia para a sua cidade através de gritos de crianças, pelas portas de armário das mesmas. Até que a criança Boo passa para o mundo dos monstros causando uma enorme reviravolta.

    O roteiro sem grandes furos ou golpes aparentes talvez seja um dos melhores já apresentados em um filme da Pixar desde que ela começou a sua parceria com a Disney, ao lado de Procurando Nemo (Finding Nemo, EUA, 2003) e o mais recente Toy Story 3 (Idem, EUA, 2010). É um dos filmes da companhia que mais tem referências, só que ao cinema em si e ao seu início.

    A estrutura escolhida não é por acaso: a humana Boo chega no mundo estranho dos monstros, e, com os seus poderes especiais (gerar a energia que alimenta o seu mundo) e a ajuda de Mike e Sully, acabam por destronar o tirano Waternoose e seu lacaio Randall. Monstros S.A. segue o molde que se tornou célebre com “Viagens de Gulliver” de Jonathan Swift, e “Uma Princesa de Marte” de Edgar Burroughs, mas que talvez tenha tido origens na mistura dos mitos gregos dos heróis Perseu, Orfeu, Belerofonte e as andanças de Héracles. Esse também foi um dos moldes que estruturou alguns filmes de aventura de Errol Flynn dos anos 30 como os faroestes de John Wayne.

    As referências ao início do cinema não param por aí. Os monstros podem ser associados obviamente aos filmes de terror clássicos da Universal. A função principal da Monstros S.A. é assustar os humanos, mesmo que sejam crianças, para conseguir o que desejam. Da mesma forma que a catarse dos espectadores em forma de grito alimenta o cinema de terror através de ingressos comprados, aqui o mesmo grito é um dos principais bens que sustentam aquela sociedade.

    Outra curiosidade apresentada no roteiro é o vídeo institucional que Mike e Sully assistem assim que são apresentados pela primeira vez ao espectador. Logo depois, os protagonistas saem de casa e vão até a fábrica, e assim podemos ver como os habitantes de Monstrópolis se comportam. Aqui pode ser visto como uma referência aos filmes de ficção científica dos anos 50: uma sociedade harmônica que vive o sonho americano, e de uma hora para outra é invadida por um ser horrível, no caso uma criança, que promove o terror e o pânico nos seus habitantes.

    Na parte final do longa ocorre uma sequência onde Mike, Sully e Boo fogem de Randall e Waternoose no meio dos mecanismos que levam e trazem as portas. Cenas de perseguição vieram dos filmes de perseguição, uma das fórmulas mais antigas que fizeram com que D.W. Griffith ajudasse a consolidar o cinema narrativo a partir do ano de 1908. Cria-se uma tensão dramática ao intercalar três cenas: a donzela em perigo amarrada na linha do trem, o trem andando cada vez mais rápido e o herói chegando para resgatá-la.

    Outro dado curioso é quando Roz exige de Mike os relatórios para que continue a trabalhar. A simples menção da burocrata dentro da empresa não é por acaso. Relatórios são registros de alguma atividade, e o registro foi uma das funções primordiais que manteve o cinema em atividade e o impediu de ser extinto enquanto não havia se estabelecido como narrativa ficcional. Desde visitas a chefe de estado, até viagens para países africanos, o cinema teve que percorrer estes caminhos para não ser dominado pelas outras formas de entretenimento da época. Entenda mais aqui.

    A linha de montagem que mostra como os gritos das crianças humanas são produzidos e armazenados, pode ser interpretada como menção a própria industrialização que o cinema sofreu no final dos anos 10 e início dos 20 quando a era dos grandes estúdios começou. Neste caso, a inserção de uma criança neste universo pode ser uma referência ao início da indústria do cinema em si, por mais que o revisionismo histórico através do Simpósio de Brighton critique os primeiros historiadores que associavam a arte cinematográfica a “uma criança que não sabia o que estava fazendo”.

    A primeira cena de Monstros S.A. é uma simulação gravada de como se deve assustar uma criança, para que os monstros possam treinar melhor. É assim que o cinema ficcional age: ele simula uma série de inverdades encadeadas cheias de significados para que no fim a sociedade reflita e debata sobre os conceitos que ali estão. Em uma das últimas cenas, a mesma simulação revela o caráter do vilão Waternoose. E este é um dos pilares do cinema documental: expôr as outras facetas de um mesmo tema para gerar o mesmo debate. Em Janela Indiscreta (Rear Window, EUA, 1954), Hitchcock fizera um ensaio ao demonstrar a curiosidade do espectador e o quanto ele deseja quebrar a sua condição passiva e se inserir naquele universo, ao ponto do personagem de James Stewart se intrometer para impedir um assassinato. No longa não é diferente, os monstros, que são os próprios espectadores da simulação, a manipulam da forma que assim necessitam no momento.

    Outro fato curioso é a inversão de valores ao mostrar que monstros tem muito mais medo das crianças, o que os levam a sofrerem a descontaminação e limpeza por uma equipe especial caso sejam tocados. O medo dos monstros permite que eles sejam manipulados através de uma mentira, como vemos nas cenas finais: crianças não os contaminam. O medo das crianças a eles é a mesma forma de alienação, por mais que o fim maquiavélico tente justificar a imposição de limites auxiliando a sua educação, com a típica frase: “Se você não comer este prato, o monstro vai vir te pegar”. Essa premissa pode ser entendida também como uma crítica à imposição de uma verdade absoluta em uma sociedade através da manipulação promovida pela mídia, religião, política ou morais sociais rigorosas.

    No final do filme, os monstros percebem que a tão valorizada energia que vinha antes pelo grito de medo se torna dez vezes mais poderosa quando gerada por uma risada infantil. A mensagem é clara: o humor é uma das melhores formas de se lidar com o medo das crianças. Se for expandido para todas as idades: enfrente com bom humor o seu medo para que ele não vire um monstro incontrolável.

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    Para a psicologia, a maioria dos temores infantis são estados emocionais que representam uma etapa do seu próprio amadurecimento, e conforme vão crescendo eles se alteram tanto no tema quanto de intensidade. Da mesma forma que o medo vem da imaginação, é também dela que surgem as melhores formas de combatê-los. Ao expressá-los para seus pais seja de que forma for, as crianças conseguem conviver melhor com eles até entendê-los e superá-los. Não a toa Boo, com a ajuda de Sully, no final do filme consegue derrotar o seu próprio monstro, Randall.

    O problema surge também quando muitos pais falham em não conseguir se comunicar com os filhos pequenos, ainda mais na sociedade moderna onde permanecemos horas no trabalho, perde-se muito tempo no trânsito das grandes cidades e acaba se passando menos tempo do que gostariam ao lado dos filhos. Não a toa as crianças acabam se afeiçoando as vezes mais as suas babás do que aos próprios pais. O filme trata disso quando Boo se afeiçoa a Sully chamando-o de “gatinho”. A simples menção a um animal de estimação projeta nele a figura de um protetor e o apelido carinhoso mostra que ela consegue superar a sua condição de monstro se comunicando e interagindo com ele, já que ele não é seu monstro. São as funções básicas que as crianças veem em seus pais: carinho e proteção.

    A única hora em que existe quebra de confiança é através da representação máxima do cinema no filme: a simulação. Boo fica com medo quando Sully assusta uma criança robótica a mando de Waternoose. No cinema, a impressão de realidade tem o poder catártico de revelação ao espectador, transformando os personagens em tridimensionais através da psicologia dos seus atos. Sully é carinhoso, mas ainda assim é um monstro, Boo é uma criança destemida, mas também tem medo, e Waternoose é um bom chefe até aquele momento, depois vemos que é maquiavélico. Personagens humanizados através da psicologia são a base de boas narrativas.

    A maioria das obras de arte mais impressionantes que a humanidade já produziu trazem traumas dos artistas, feridas tão profundas que muito provavelmente tiveram início em sua infância. As obras surrealistas de Salvador Dali e Magritte são um exemplo, apenas dois exemplos rápidos ficando somente na pintura. No cinema não é diferente: os diretores do expressionismo alemão importados para Hollywood nos anos 20 e 30 fizeram com que a narrativa da sétima arte atingisse um nível superior, superando qualquer gênero.

    As vozes dos atores foi outro acerto. Não a toa Billy Cristal e John Goodman foram escalados para serem os protagonistas, já que fizeram muita comédia. James Coburn como vilão no seu penúltimo filme pode ser encarado como outra homenagem ao passado do cinema, mais especialmente aos anos 60.

    Por fim, a animação do filme impressiona. A qualidade e atenção à todos os detalhes não deixam os mais puristas reclamar do que tenha faltado. A textura dos pêlos de Sully, a movimentação dos personagens e a iluminação das cenas são o ponto forte. As cores escolhidas para a pele dos monstros e a vestimenta de Boo foram também bem feitas, junto dos cenários. Detalhe para a impressionante cena de perseguição no mecanismo que levam e trazem as portas.

    Monstros S.A. não é uma simples animação para crianças. Ele tem tantas referências a diversos temas que o tornam um dos melhores filmes já feitos, sem dúvida está no topo da Pixar, além de ser uma declaração de amor ao cinema.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Oz: Mágico e Poderoso

    Crítica | Oz: Mágico e Poderoso

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    Produzir uma regravação ou reinventar uma história, ampliando o universo conhecido, sempre necessita de cuidado. Quando maior o afastamento do filme original, mais cultuado ele pode se tornar, e uma releitura nem sempre pode ser positiva.

    Tim Burton arriscou-se duas vezes nesse terreno com A Fantástica Fábrica de Chocolates e Alice No País das Maravilhas, saindo-se razoavelmente bem no primeiro e destruindo a história original de Lewis Carroll no outro – dois exemplos que, embora tenham gerado rentáveis bilheterias, poderiam permanecer no mundo de possíveis ideias apenas.

    A história de Dorothy e o Mágico de Oz faz parte dos primórdios do cinema e marca-se também como o primeiro filme colorido. Talvez hoje a produção não tenha a mesma aceitação entre as crianças, sendo hoje um material mais próximo da adoração cult do que do entretenimento infantil. Como a história é baseada em uma série de livros do autor Frank L. Baum, era quase inevitável que, em algum momento, o argumento fosse retomado.

    Oz – Mágico e Poderoso, com direção de Sam Raimi e produção da Disney, homenageia explicitamente o longa original. Seus minutos iniciais são filmados sem cor, retomando a intenção de seu autor ao compor a história do Mágico de Oz, contrapondo Kansas, um estado cinzento e sem brilho, às cores vivas de Oz.

    James Franco personifica o mágico do título, dando lhe imensa credibilidade como um mágico picareta de um circo que, para evitar cobradores, foge com um balão que, após um tufão, para na cidade colorida coincidentemente chamada Oz. Neste momento, os efeitos especiais transbordam, dando espaço para personagens como um macaco falante e uma boneca de porcelana.

    Elemento comum em histórias mágicas envolvendo estrangeiros de outro mundo, a terra de Oz tem como profecia a vinda de um mágico que chegará ao local para salvar todos da tirania da bruxa má. O que seu povo não sabe é que Oz é um mágico de araque, dono de truques simplistas como retirar pombas da cartola.

    A primeira hora da produção é mais interessante, concentrando-se no mágico até sua chegada a Oz, onde conhece uma das bruxas da história, interpretada por uma estranha Mila Kunis. É nesse ponto que descobre se encaixar na profecia citada e, por saber que a recompensa vem em ouro, aceita a missão. Evidente que este será um dos elementos de transformação da personagem.

    Quando a trama eclode no tradicional clichê de um mundo de fantasia em que bem e o mal estão prestes a entrar em uma guerra, os efeitos especiais e o senso comum dominam. De um lado, a bruxa interpretada por Rachel Weisz tentando manter a tirania; do outro, o mágico Oz utilizando de sua inteligência malandra para produzir ilusões que convençam de seu poder de mentira.

    A direção de Sam Raimi mal se faz presente: seu estilo é perceptível em poucas sequências e planos, como se se curvasse aos efeitos especiais em excesso. Tudo muito brilhante, colorido em excesso, não repetindo o mesmo estilo da produção de 1939, que, ainda que com cores berrantes, mantinha harmonia cênica.

    Raimi informou que não pretende dirigir a sequência do filme, que já foi confirmada pela produtora. De nada vale escolher um diretor renomado se ele não terá espaço para imprimir seu estilo ao realizar o longa.

    A primeira aventura da releitura do mundo de Oz sustenta-se apenas pela boa interpretação de James Franco. Há especulações sobre quais personagens estarão na continuação, mas, aparentemente, a Warner ainda é detentora dos direitos da personagem Dorothy; portanto, podemos ficar aliviados. Seria uma ideia infeliz trazer a garota novamente para o mundo de Oz e destruir dessa maneira o argumento do filme original. É torcer para que o estúdio saiba a bobagem que fez com a trama de Alice e não cometa o mesmo erro nesta nova franquia.

  • Crítica | Detona Ralph

    Crítica | Detona Ralph

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    Desde a parceria com a Pixar, as animações da Disney apresentaram uma significativa queda de qualidade, perdendo um espaço que antes era dominado por seus clássicos. Tentando reverter este quadro, o estúdio riu de si mesmo em Encantada, mistura de animação com live-action, resultando em uma ótima bilheteria e dando abertura para que Bolt – O Supercão, A Princesa e o Sapo e Enrolados trouxessem rentabilidade ao estúdio e recuperassem parte de seu prestígio.

    Detona Ralph foi aguardado e esperado pelo público desde que sua trama foi anunciada, principalmente por se conectar à nostalgia de uma época em que o videogame era a principal diversão da maioria dos jovens. A cada novo material promocional divulgado, ainda mais os que continham a participação de clássicos personagem dos games, a expectativa aumentava e, antes mesmo de sua estreia, havia uma parte do público ansiosa pela produção.

    A maior preocupação em realizar uma história que adentra profundamente um passado nostálgico é saber se ele é capaz de fundamentar-se além da colagem de referências, elemento que sempre agrada o público. E a resposta mais rápida para está questão é sim, o filme é bem-sucedido.

    A premissa retoma um conceito de Toy Story: a ideia de que todos os personagens dos jogos ganham vida após o game over e podem sair de seus jogos e conviver em uma área pacífica de descanso até o início do expediente no dia seguinte.

    O detonador Ralph, do clássico jogo Conserta Feliz Jr, criado há trinta anos, está cansado de ser o vilão da história. Deseja ser reconhecido por seus colegas e sai à procura de conquistar o que demonstre seu valor. A nostalgia vista nas peças de divulgação concentra-se nos trinta minutos iniciais da trama, tempo que deixa qualquer jogador com um sorriso no rosto ao ver tantos personagens clássicos interagindo entre si, como na cena em que diversos vilões realizam uma terapia em grupo assumindo sua função má sem preconceito.

    Após as referências tão aguardadas, a história se concentra no conflito de Ralph, que abandona seu jogo ao descobrir outro em que o vencedor ganha uma medalha do final. É o ponto de partida para que a personagem quebre uma das regras primordiais entre os videogames: não se pode entrar em outro jogo sem provocar danos e nem problemas de programação. Durante sua jornada, Ralph conhece a pequena Vanellope von Schweetz e, com ela, forma a dupla central da história, unindo a força bruta do grandalhão à sensibilidade e à inocência de uma criança.

    O desenvolvimento da trama segue a estrutura de outros desenhos do estúdio: parte de um deslocamento das personagens centrais, produzindo uma história de conquista centrada na ideia de nunca abandonar quem se é nem desistir dos sonhos. A diferença é que, enraizada em uma história nostálgica, com personagens carismáticos, a repetição do argumento não deve ser vista como um problema, mas sim como uma base primordial de diversas animações que, se bem contadas, são eficientes para compor um bom filme.

    Mesmo que não se queira comparar ou competir, Detona Ralph é mais bem sucedido em sua proposta que Valente, a animação da Pixar que falha devido a um roteiro simplista, como uma tentativa de despir-se de camadas mais profundas, tão características do estúdio da luminária.

    O público brasileiro, traumatizado por Luciano Huck em Enrolados, teceu reclamações sobre a dublagem feita por Tiago Abravanel, Marimoon e Rafael Cortez. Porém, ela é competente e muito próxima da original, feita por John C. Reilly, Sarah Silverman e Jack McBrian.

    O sucesso da produção prova que a Disney ainda é capaz de realizar boas animações sem a necessidade de se apoiar na Pixar. Mas hoje, devido à demanda e à concorrência, é necessário maior esforço para se manter como a grande idealizadora dos clássicos como foi outrora.

  • Crítica | Monstros S.A.

    Crítica | Monstros S.A.

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    Monstros S.A. está situado em um momento anterior a compra milionária da Pixar pela Disney. É o quarto filme da produtora em uma época em que suas tramas ainda apresentavam maior tonalidade juvenil, sem as narrativas composta em camadas que se tornariam uma característica do estúdio que não possuía empresas rivais em lançamentos de animação.

    A trama dialoga com o medo infantil de que, durante a noite, monstros escondidos em armários habitam os quartos para assustar as crianças. Mal sabem elas que, do outro lado da porta, existe a Monstrópolis, cidade sede da Monstros S.A., uma empresa especializada em aterrorizar as crianças, garantindo, com seus gritos, a energia que abastece a cidade. Dentre os responsáveis pelos gritos, estão a dupla Mike Wazouwki e James P. Sullivan, a dupla central da história que equilibra bem a sensibilidade e o humor da produção.

    O estúdio Pixar desenvolve um pequeno universo para situar sua história, outra característica que seria comum em suas histórias. Esteticamente, a cada produção a empresa desenvolve um personagem que salta aos olhos pela animação competente. Caso do grandalhão Sully, um peludo personagem azul que foi trabalho detalhadamente para que a pelagem parecesse real.

    As personagens formam uma boa dupla divertida que são responsáveis pelas diversas cenas de humor, encontrando o contraponto sensível na história da pequena Boo, uma garotinha que acidentalmente invade o mundo dos monstros e transforma o coração peludo de Sully.

    Ainda que produção primária do estúdio, é perceptível a intenção de um roteiro que produz o híbrido entre riso e sensibilidade sem que nenhum lado se sobreponha. Um estilo que será perseguido pelo estúdio que, até então, tinha realizado somente Toy Story 2 com uma alta carga dramática.

    Neste relançamento em terceira dimensão, a história ganha maior interatividade sem os excessos visto em outras produções que utilizam a estereoscopia. Uma demonstração de que o recurso pode ser bem utilizado se colocado de maneira sutil para realçar as dimensões da cena e dar destaque a pequenos elementos. Além da novidade do 3D, é funcional para que aqueles que nunca assistiram a história no cinema possam revê-la. Um projeto que a Disney tem realizado desde o recente relançamento de O Rei Leão.

    O sucesso da produção – que tem o mesmo diretor de Up – Altas Aventuras – gerou uma continuação, Universidade Monstro que estréia em 12 de julho de 2013 no país.

  • Crítica | Valente

    Crítica | Valente

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    Após a união dos estúdios da Pixar com a Disney, muitas foram as reclamações e críticas por parte de uma parcela do público, sob o argumento de que esta união traria a ruína às grandes obras da Pixar. Com o fracasso de Carros 2, os ânimos abaixaram ainda mais, porém Valente , dirigido por Mark Andrews e Brenda Chapman, chega aos cinemas para renovar o conceito e o valor da união destes dois grandes estúdios.

    O filme conta a história de Merida, filha do Rei Fergus e da Rainha Elinor, a qual está para atingir a maioridade e, por isso, com o intuito de seguir os costumes da época, ela terá sua mão disputada pelos príncipes de outras famílias. Merida não hesita em mostrar descontentamento com os costumes de seu povo e acaba causando tensão entre as famílias. Após encontrar-se com uma bruxa e realizar um pedido que acaba causando mais problemas do que soluções, Merida deve correr contra o tempo com o intuito de evitar os conflitos entre os reinos e salvar a vida de sua mãe.

    O primeiro aspecto a ser levantado do filme é que Merida é a primeira princesa da Pixar. Muitos irão falar que isso é influência direta da Disney, porém a personagem deste filme tem uma personalidade muito diferente daquelas personagens clássicas como Bela Adormecida ou Branca de Neve. Merida é guerreira, astuta, rebelde e independente. Por outro lado é uma representação muito mais firme e contextualizada de uma mulher que possui seus próprios valores e os defende, em contraposição a uma princesa que apenas está aguardando para ser salva por um príncipe encantado.

    Merida é uma jovem com pensamentos e valores contemporâneos, por isso a todo momento bate de frente diretamente com os valores conservadores de sua mãe. Os personagens são carismáticos, possuem profundidade, possuem desejos e anseios humanos. Juntos ilustram uma belíssima história que indaga sobre os significados de liberdade (e a forma como a buscamos em nossas vidas) e de família.

    Os aspectos técnicos obtiveram um resultado muito positivo. A tecnologia 3D utilizada na animação ficou bem encaixada com os cenários da Escócia, em que foi baseado, e suas vastas florestas, as quais dão uma profundidade envolvente à atmosfera do filme. A animação por si só já é o suficiente para criar uma beleza estética muito proveitosa. Isso é facilmente visualizado ao observar a sutileza de detalhes na modelagem dos cabelos da protagonista: rebeldes, soltos e vermelhos como fogo (inclusive tendo relação com a própria personalidade da mesma), que se compõe juntamente com a beleza gráfica de todos os demais detalhes.

    Valente é um bom filme e divertido. Possui uma qualidade estética muito grande e uma narrativa redonda. Não foi dessa vez que a Pixar superou outros de seus sucessos (como Wall-E, por exemplo), porém é uma obra respeitável para abrir os olhos dos mais céticos em relação ao futuro da empresa.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

    OBS: Para os céticos que estão reclamando das cópias dubladas, a dublagem desse filme ficou muito bem feita e não diminuiu nenhum pouco a beleza da obra. Podem conferir sem medo.