Crítica | O Canhoneiro do Yang-Tsé
Filmes como esse nos lembram porque os Estados Unidos investem tanto em Hollywood: propaganda política, ainda mais em 66. A intervenção da América na Ásia era maciça, para impedir que o comunismo se espalhasse cada vez mais, enfraquecendo o capitalismo do Tio Sam. Soldados invadiam o sul do Vietnã aos milhares, e a guerra no país dos bambus ainda iria demorar 10 anos para terminar. Como exportar a boa imagem de um imperialismo assim, se não pelo Cinema? Em uma determinada cena, chineses estão literalmente enjaulados, enquanto sorriem, como se essa fosse a condição natural deles: animais, em jaulas. Do outro lado da cerca, temos um Steve McQueen feliz com sua roupa limpa de marujo, conversando com uma loira, como se o mundo estivesse em perfeita harmonia. O Canhoneiro do Yang-Tsé é um dos mais puros e orgulhosos exageros patrióticos que a filmografia dos Estados Unidos já produziu (a Marvel disfarça muito melhor os ideais imperialistas do país, hoje em dia).
O ano aqui é 1926, e o comunismo só cresce numa China muito dividida entre a soberania do PCC (Partido Comunista Chinês), e influências estrangeiras da época. Com missionários americanos presos e traidores do movimento nacionalista torturados pelo povo, em praça pública, a tensão no país está instalada (e estaria até 1949, com a proclamação da República Popular da China). Um ano antes da grande rebelião de Shanghai, visando unificar o país em torno de um sistema e uma moeda, apenas, o engenheiro Jake Holman (Steve McQueen) estaciona o canhoneiro de São Pablo, lotado de militares americanos, no lago de Yang-Tsé, prestes a encarar a grande missão coletiva da sua vida: libertar os missionários conterrâneos. A volta para os Estados Unidos é incerta, mas nem Holman nem ninguém pensa nisso: a tripulação não quer sujar as mãos de sangue, ainda mais ao perceberem o valor da população chinesa, tão humanos como eles, com a amizade e até o amor surgindo entre marujos, e nativos. Mas a pressão militar é clara, e o senso humanitário não pode desvirtuar nenhum senso de dever.
Com um cenário político desses, e um conflito de interesses já estabelecido para Holman e seus colegas soldados, o cineasta Robert Wise, ao lado do roteirista Robert Anderson, adapta o livro de Richard McKenna de uma forma insegura, mas ambiciosa. Ambiciosa pela duração inexplicável (mais de 3 horas, esticando as cenas de propósito), e insegura pela visão conciliatória e hipócrita que o cineasta tenta transmitir nas relações dos personagens, contraditória na segunda parte do filme quando os americanos são expulsos da China, mas a missão não pode acabar, e uma violência de cunho racista explode sem pudores em bares, templos e no próprio barco cheio de armas. Parece que Wise tentou esconder ao máximo que seu filme era um panfleto político estadunidense, mas no final, não houve manobra para continuar a enganar o público e ele acabou optando pela incoerência, na trama. O Canhoneiro de Yang-Tsé foi indicado a 8 Oscars, perdeu todos, mas deveria ter ganho Melhor Fotografia pelo trabalho de Joseph MacDonald. Essa sim, o melhor aspecto do filme.