Review | True Detective – 2ª Temporada
Em julho do ano passado, após o término da primeira temporada de True Detective, o reconhecimento em torno da série de Nic Pizzolatto atingiu seu ápice. A obra foi avaliada com qualidade, e seu trabalho foi potencializado ao máximo. Conforme apareciam anúncios sobre o segundo ano da série, surgia o tradicional questionamento sobre a possibilidade da nova história superar a primeira, ainda que houvesse nesta equação um novo fator inexistente na história de Marty e Rust: a expectativa do público. Em meio a este questionamento sobre a qualidade da obra, a abordagem dos fãs se modificou naturalmente. A série não era mais um produto inédito.
Composta como uma antologia policial, é natural que esta nova trama fosse diferente da primeira. A única constante é a vertente policial desenvolvida pelos roteiros de Pizzolatto; qualquer outra semelhança não é possível de ser definida a longo prazo. Antes do lançamento da segunda temporada, foi divulgada a sinopse baseada numa narrativa urbana, focada em quatro personagens que trabalham o conflito existencial em cena, dessa vez simbolizado pelo contraste entre conduta moral e o mundo merecido pelos homens (em contraposição à bestialidade dos seres da outra história).
Como na trama anterior, a história é apresentada em oito episódios, mantendo a brevidade narrativa em contraste com as séries com vinte episódios, em média, da televisão aberta. O autor segue a tradição dramática, fundamentada desde a Grécia Antiga, ao dividir sua história em três atos distintos, sendo comumente definidos por: 1. Exposição das personagens e informações para o público situar-se; 2. Desfecho ou clímax, com parte do conflito sendo resolvido; e 3. Desenlace – o final do conflito, normalmente previsto pelo público devido à antecipação do desfecho ou clímax, sendo o primeiro ato apresentado nos quatro primeiros episódios, e o segundo e terceiro ato com dois episódios cada. Esta conceitualização é fundamental para compreender a base de sua história e os recursos narrativos desenvolvidos em cena – e também um fato primordial para o desfecho.
Além da divisão em atos, a estrutura narrativa policial segue como cerne da história. Mesmo de maneira modificada, adequando-se à linguagem cinematográfica, cada temporada da série se desenvolve como um espécie de romance narrativo, contendo as estruturas de um romance policial. Motivo pelo qual uma análise pontual de um episódio pode evidenciar aspectos distintos de outro. Cada ato narrativo se apoia em um enfoque diferente.
O primeiro e maior ato se estrutura, portanto, como uma apresentação, introduzindo personagens e suas histórias internas, além de marcar o primeiro acontecimento que será a base para o desfecho: um assassinato político. Neste início, o público compreende a essência de cada personagem para que no segundo ato – quando a investigação, de fato, transcorre – saibamos quem é cada um deles no falso jogo de confiança que o autor desenvolve, fazendo-nos ter simpatia maior ou menor por certas personagens. Não à toa, estamos à meia-luz, sem saber se as figuras retratadas são boas ou más. Como um romance, a obra cresce aos poucos, sendo natural a demora para atingir pontos máximos, um conceito coerente com a vertente da narrativa noir: o crime não é necessariamente o centro, mas sim o universo à sua volta e as personagens que o investigam.
A veia política pulsa fortemente ao posicionar o crime como centro unificador de personagens com camadas diferentes. É a morte que explicita a intriga e constrói a investigação no segundo ato (após um primeiro ato finalizado de maneira brilhante, com um intenso tiroteio). A sociedade que cerca tais personagens reflete a ganância humana. Neste aspecto, a pequena cidade de Vinci é um literal reduto de podridão sustentada pelo desenvolvimento industrial e comercial. Ao ambientar a trama em um local inteiramente dominado pela paisagem metálica, Pizzolatto conduz o público a compartilhar sua visão. Eis uma cidade reunindo o pior de nós, parece nos dizer.
O segundo ano situa-se após um salto temporal, com as consequências do bem filmado tiroteio, mas mantém qualquer esclarecimento no vazio. A urbanização substitui o misticismo rural. Nesta construção, o inimigo não é aparente, mas sim uma massa anômala formada por invisíveis homens corruptos. A visão niilista permanece, porém, em vez de um personagem, é desenvolvida dentro de uma ambientação desoladora. Um paradoxo delicado quando, para desvendar um crime, um grupo de policiais deve agir como uma equipe secreta, evitando vazamentos. Os supostos heróis permanecem ocultos, enquanto o império do crime segue ativo.
Como o engano faz parte fundamental da história, observamos com mais clareza o caráter das quatro personagens centrais neste segundo momento: em maior ou menor grau, homens com leves desvios, mas que ainda se mantêm opostos ao faminto ambiente corrupto. Os vícios em drogas, sexo ou na violência moldada pela vida são a parcela humana destes heróis, um recurso que os aprofunda em camadas – gerando identificação do público – ao mesmo tempo que revela a escolha de um caminho alternativo. O terceiro ato representa o desenlace dessas escolhas.
Mesmo que cada personagem principal seja formado por uma trajetória específica, todos possuem o mesmo padrão comum: são vítimas de uma culpa anterior que desejam exterminar. Velcoro se modifica após o crime que não deveria ter cometido; Bezzerides vive à sombra de um trauma da infância, destacando o fato de não ter tido medo do acontecido; Woodrugh nega sua homossexualidade; enquanto Frank, o mais socialmente errático deles, com um passado miserável deixado para trás, com ambição e violência, pune-se por não ver a ruína de seu império. Momentos anteriores e decisivos na vida de cada um que moldaram o caráter. São homens tentando equilibrar a balança da vida, tentando o caminho do que consideram bem diante do que fizeram de mal anteriormente, mesmo que cada conflito interno seja dúbio.
O desfecho condiz com a visão devastadora do mundo: ninguém se salva, exceto os corruptos e o crime. Novamente, representa uma tragédia contemporânea no sentido mais literal da palavra, próxima do conceito grego de tragédias clássicas. A morte é constante como destino final neste tipo de drama, porém sempre deixa um sobrevivente para contar a história, função denotada a Bezzerides, que simultaneamente carrega o símbolo de esperança, com o nascimento do filho, e de mensageira. No entanto, tais signos são apenas um alívio diante de um pesado desengano. Mesmo poupada da morte, a tragédia permanece em seu destino como representação deste mundo revirado. Bezzerides é condicionada a viver em fuga, fora de seu país natal.
Os outros três personagens perecem diante de um mal maior do que eles. Em um mundo estruturado conforme nosso merecimento, a existência de três personagens parcialmente bons é errática e desigual. A morte os coloca de volta a inércia, anula sua trajetória heroica enterrando-os sobre a amorfa selva de concreto. A linearidade narrativa é coerente com seu estilo. Não há conspiração, nenhum homem responsável por todo o mal. A mensagem é amarga, com poucos sinais de esperança. Uma guerra perdida.
A antologia narrativa chega ao seu segundo arco mais madura, transitando em um polo diferente do primeiro ano. Sem o chocante impacto de Carcosa, ainda mantém a densidade e a força de uma grande série contemporânea. Ainda que não saibamos como será a próxima história de Pizzolatto, é certo que a visão de um universo desencantado estará presente.